quarta-feira, 25 de julho de 2012

[Aventuras de Scott] O nascimento e as mães

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Boa tarde!

Este post vai em homenagem ao Dia do Escritor. Parabéns a nós! Para fazer jus à data, escrevi um conto inédito. A princípio seria uma simples história, mas como ela cresceu e não chegou a terminar, pode ser que eu continue com ela em outros posts... se vocês gostarem (e me deixarem saber que gostaram)!

O nascimento e as mães

Meu filho é um menino sonhador e aéreo de 7 anos de idade. A irmã dele, de 9 anos, não vê graça alguma em suas brincadeiras e constantemente o ignora, não foi capaz de deixar de lado o ciúme até hoje. No entanto, enquanto eu estava reclinado sob minha leitura noturna ao lado de minha esposa, que preparava a aula que daria no dia seguinte, os dois chegaram juntos à sala. Clara arrastava Scott pela mão, gargalhando com vontade. Ele parecia não conseguir decidir se estava sendo caçoado ou homenageado.
- Pai, mãe! Vocês tem que ouvir a última do Cotinho.
- Clara, já disse pra não chamar seu irmão assim.
- Tá, tá, mas é sério, vocês precisam ouvir essa. É a coisa mais bitolada que eu já ouvi!
Ela pegou o irmão pela mão e o colocou no centro da sala, de frente para nós, e tomou seu lugar costumeiro no pufe ao lado da varanda, próxima o suficiente para que conseguíssemos ouvir seus risinhos de prazer com a situação. Scott estava agora constrangido, tendo decidido que a situação era toda uma gozação com ele. Mas tão logo olhou para mim, deixou isto de lado. Seu semblante se encheu com sua costumeira animação que antecede uma história fantasiosa cheia da inocência juvenil.
- Tá bom. Oi pai, mãe. Hoje nós vamos para longe. Muito longe. E não é para o Lago Ness, como no verão passado, e nem mesmo para a Pólo Sul, como na semana passada. Hoje nós vamos… para o espaço. E não só isso… nós vamos para o passado! Veremos com nossos próprios olhos, protegidos previamente, é claro… o nascimento do Universo como o conhecemos!
Sim, meu filho falava muito bem para sua idade. Embora usasse a internet e jogasse videogame como qualquer garoto da sua idade, sua grande paixão eram histórias. Livros, RPGs, séries, filmes… não importava. Quão mais complexa fosse, mais ele se apaixonava por ela. E as aventuras que bolava em sua mente não deviam nada às tramas que ele tanto adorava.
- Tudo aconteceu há alguns anos atrás, quando eu nasci. Vocês não serão capazes de se lembrar porque a experiência anterior de vocês foi apagada, obliterada de suas mentes, não existe mais. Porém, meu pai e minha mãe, assim como da Clara, não são vocês. Não exatamente vocês, de qualquer modo. Vocês são extremamente semelhantes a eles em todos os atributos, mas tomaram decisões ligeiramente diferentes, e por isto estão aqui e não eles.
- Scott, querido, olha a hora! Acho melhor nós todos…
- Ei. Deixe-o contar.
Interrompi minha esposa no ato. Ela frequentemente se assustava com as histórias de Scott. Temia que nosso apoio à criatividade maluca dele poderia ser um estímulo indevido, que tudo saísse de controle e ele acabasse alucinado, trancado em um hospício qualquer. Eu frequentemente dizia a ela que Scott não terminaria assim. Tinha um potencial incrível e nosso papel não poderia ser de bloquear a criatividade que fluía de suas veias como água de uma nascente particularmente majestosa. Meu papel, como pai, era admirá-lo por isto sem ser babão demais, e ajudá-lo a atingir degraus cada vez mais altos, e era exatamente isto que estava fazendo naquele momento. Ela captou meu olhar e entendeu o recado. Suspirou e tentou parecer particularmente interessada e não incrivelmente preocupada.
- É, tem razão, amor. Prossiga, filho, queremos muito viajar com você.
- Tudo bem, mãe. Embora você não seja exatamente minha mãe, eu entendo este comportamento, porque minha mãe teria por padrão tomar decisões de aspecto oposto a este que você teve agora, e como a conheço por estes 7 anos de experiência, caso você tivesse apoiado que eu continuasse com a história, eu temeria que você não fosse mais você…
Neste ponto, minha mulher estava quase caindo no choro. Mais uma vez precisei conduzir o barco.
- Filho. Volte um pouco a fita, sim?
- Ah… ok, desculpe. Quando eu nasci, então. Meu pai e minha mãe estavam muito felizes por este segundo filho. Não que vocês não pudessem estar, mas conceitualmente vocês ainda não existiam ainda.
- Filho.
- Tá, desculpa de novo. Vou explicar sem desvios então. Eles estavam muito felizes. Queriam muito ter um casal e foram agraciados com um menino. No entanto, as coisas começaram a dar errado na semana do meu nascimento.
´´Minha mãe estava grávida de oito meses e meio e a previsão dos médicos era para um parto normal em quinze dias. Meu pai precisava viajar para o sul a negócios, mas voltaria com folgas para acompanhar o nascimento. No entanto, algo não estava normal naquela manhã. Os ventos alísios estavam empurrando no sentido contrário. O Sol deveria estar batendo na persiana da cozinha, mas ao invés disto estava matando de calor a pobre Clara em seu quarto que só costuma receber a luz do poente. O café estava com gosto de chá no desjejum, e os pães com manteiga e mel pareciam mais lagartos com alcaparras e amêndoas. Talvez fosse um sonho, ainda estivesse, na verdade, dormindo? Apenas sonhou que acordou, mas continuava no sonho? Se assim fosse, pensou minha mãe, estava mais para pesadelo. É que ela odiava lagarto. Odiava com todas as suas forças.
´´Ela se apressou com as tarefas do dia. Escolheu trabalhar até que faltasse apenas uma semana para o parto, afim de aproveitar o máximo de sua licença junto do filho. Assim, esperou apenas a chegada da babá - que parecia estranhamente uma fugitiva da FEBEM, mas como nada estava fazendo sentido naquele dia, ela deixou estar -, entrou no carro e foi para o trabalho.
´´Chegando no colégio, foi para a sala dos professores. Era dia de prova, então pegou o envelope com as questões no armário e foi para a sala de aula. Aí sim as coisas ficaram decididamente estranhas. Primeiro, ou algo muito maluco estava acontecendo com seus olhos, ou agora ela dava aula no Oriente Médio, visto que os alunos por algum motivo qualquer usavam roupões, capas, sobretudos ou algo do tipo, e não se pareciam nem um pouco com seus alunos usuais. Depois, o cabeçalho da prova indicava que a matéria era Controle dos Feitiços Mágicos Nível Cinco, e embora ela fosse a professora indicada logo abaixo, nunca na vida tinha ouvido falar de algo parecido. Exceto na infância, quando seu tio-avô contava histórias de magia para ela.
´´Ela resolveu ler a primeira questão. 
1) Caso encontre com um Necromante portando apenas seu equipamento básico de segurança, você deve:
a) Rapidamente procurar nos itens por uma enguia mágica e atirá-la no Necromante enquanto faz a dança aquática da eletricidade.
b) Fazer uso da poção da fumaceira para criar uma distração e correr no sentido contrário.
c) Encontrar o chaveiro do guarda-sol para retornar em segundos para a casa mestre.
d) Ficar e lutar, ele vai caçá-lo até o fim do mundo de qualquer forma.
´´Isto era ridículo, ela não podia continuar lendo. Se encaminhou para a porta para dizer aos colegas professores que a pegadinha não tinha a menor graça e prejudicaria os alunos pelo tempo perdido quando, na pressa, jogou o envelope de provas no chão. De dentro dele saiu uma pequena folha amarela que não tinha notado antes. Quando se abaixou para ler as palavras ali contidas, seu berro se fez ouvir até o estacionamento do colégio.´´
Ninguém na sala se mexia. Mesmo Clara, que há pouco continha risinhos, estava vidrada, concentrada no irmão mais jovem como se pudesse extrair dele o resto da história com o poder da mente. Logo reparei que eu estava da mesma forma, pois meu livro jazia no chão e eu sequer percebi quando caiu. Recolhi o exemplar de Truques da Mente do chão e olhei para Scott.
- Continue, filho.
As duas mulheres da sala confirmaram com a cabeça. Todos os olhares estavam no nosso contador de histórias mirim, e ele parecia estar contente por isto, como em geral ficava quando contava uma história que nos fisgava - o que acontecia quase sempre.
- Tá ok, lá vai.
´´Quando ela deu por si, minha mãe estava deitada em uma maca sendo transportada em grande velocidade pelo corredor de um hospital. Ela agarrou o primeiro braço de jaleco branco que estava em sua frente.
- O que diabos está acontecendo aqui?!
- Ó, que bom que a senhora está acordada! Ela está acordada!
- Vamos, Oscar, vamos, não dá pra parar não, quer que nasça aqui no meio do corredor?
- Como assim? Meu filho só vai nascer na semana que vem… Eu…
- A senhora está confusa, é normal. Sua bolsa estourou enquanto estava no trabalho, ligaram de lá avisando que você desmaiou e precisava ser levada imediatamente para o hospital. Como deve sentir, já está em trabalho de parto, cada segundo é precioso aqui.
´´Ela sentia, ah, se sentia. Mas algo a assustava ainda mais: nada parecia fora de lugar ali. Pessoas normais, corredor normal. Nem sinal do mundo estranho que a saudou durante toda a manhã como um lunático fugido do manicômio falaria com um passante assustado. Sabia que devia se sentir grata, mas um grande temor passou por sua mente: e se fosse maluca? Se tudo aquilo vinha da cabeça dela, teria distúrbios mentais? Passaria esta doença recém descoberta para o filho? E Clara, desenvolveria o mesmo problema quando chegasse o momento?
´´Logo não conseguiu mais pensar em nada disto. O filho estava vindo e as dores deixavam bem claro que ele estava impaciente para ver o que o esperava do lado de fora. Tão cegante que foram, as dores a fizeram perder a noção do tempo. Poderiam ter se passado dias ou apenas alguns segundos, envoltos em gritos de: Força! Força! Força!
´´Então, o médico entrou em seu campo de visão, com uma trouxinha nos braços. Ele abriu um sorriso para ela.
- Parabéns, é um menino lindo e saudável.
Ela sorriu também, mas este sorriso ficou logo amarelo e morreu. Tudo começou a dar errado novamente. A sala em um segundo era uma, e de repente era outra. As mudanças eram sutis para os outros, mas para ela eram tão suaves quanto uma manada de elefantes caindo do Empire State em uma floresta de balões de gás de múltiplos tons. Uma sinfonia ensurdecedora. As luzes mudaram de lugar, rebatiam nas paredes contrárias. O piso mudou de cor. Os médicos estavam trajados como na maldita Arábia de novo. Deus, ela estava trajada de forma muito estranha. E estava sumindo… ou melhor… alguém, alguém muito parecida com ela estava sumindo, e ela ficando mais visível. O que diabos estava acontecendo ali? Ela se foi sem entender. Quem ergueu braços trêmulos para me receber no colo não foi ela… foi você, mãe.´´
Só o silêncio recebeu aquele final.
- É… filho. Nós adoramos conversar sobre suas histórias e acho que entendo onde quer chegar, mas tenho o palpite que sua mãe e sua irmã não fazem a menor ideia do que aconteceu aqui.
Scott olhou para elas e percebeu o mesmo. Clara estava com o olhar perdido e segurando a testa com força. Ela sempre ficava com uma forte dor de cabeça quando confrontada com algo que não conseguia entender, mas queria compreender de qualquer jeito. Ela estava se esforçando, mas isto parecia só aumentar a dor. Já minha esposa aparentemente estava boquiaberta há algum tempo, pois próximo como estava pude ver que seus lábios estavam ressecados e ela babava como um São Bernardo. As pupilas estavam grandes como pratos.
- Tudo bem. Eu posso continuar, pai.
- Não precisa. Vou ajudar você, sim? Vamos lá. Onde eu me encaixo?
- Sabe, pai, foi bom você ter perguntado. Eu não sei dizer com certeza. Eu afirmei que você não foi realmente meu pai, mas pode ser que seja. Veja, quando você viajou e retornou depois, apenas para descobrir que eu já havia nascido, nada mudou em absoluto. Pode ser que você tenha sido englobado no conjunto de memórias que foi deixado para trás pela minha mãe real e tenha sido assumido e se assumido como parte desta nova conjuntura… ou talvez você também tenha passado para a outra realidade, o que significaria dizer que os dois atravessaram o portal. Receio que nunca saberemos ao certo.
- Duas realidades. São duas mães, portanto. Estamos falando de realidades alternativas?
- Isso. Minha mãe queria o filho. Mas alguém a estava sabotando. As portas entre as duas realidades foram abertas e ela, num mundo paralelo onde não pôde ter o filho por algum motivo, fosse porque o perdeu na gravidez ou algo parecido, queria tanto quanto. E passou a lutar com todas as suas forças para que isto acontecesse. Mãe, não adianta tentar se lembrar disto, porque quando você atravessou para este lado, suas memórias ficaram lá, assim como as dela quando passou para a sua antiga realidade. Vocês trocaram de passado, o que na prática fez com que vocês assumissem as decisões tomadas em cada uma das realidades como suas. Você não é exatamente quem ela foi, mas também não é quem você era antes de ser o que é. Entende?
- Não.
- Scott está dizendo que você…
- Eu sei o que ele está dizendo! EU SEI!
Silêncio.
- Ei, calma. É só uma história… não é, filho?
Scott normalmente respondia com um alegre ´sim ´ a esta pergunta, mas desta vez olhou para o alto como se não fosse com ele. Suspirei. Isto era preocupante. Não que eu achasse que fosse verdade, mas o fato dele não ter certeza indicava que eu precisava mesmo ter uma conversa com ele sobre os limites entre realidade e ficção.

2 comentários:

  1. Interessante.
    Talvez seja o ritmo que a minha cabeça está agora, ou sua intenção de fato, mas eu tive bastante dificuldade de acompanhar a história que o Scott conta.

    Aguardo continuações :)

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    Respostas
    1. A intenção é colocar o leitor no papel da Clara e da mãe, lutando para compreender o que está sendo dito, mas ao mesmo tempo entretidos demais na história para se distraírem enquanto lêem.
      Estou buscando estímulos para voltar a escrever semanalmente aqui, como eu fiz no começo. Não sei como é com você, mas eu sou infelizmente movido a reconhecimento... =P

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