quinta-feira, 19 de julho de 2012

[conto] A Criação

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Boa tarde!

Queria pedir desculpas pela minha omissão no post autoral do início da semana. Foi um período atípico e, sinceramente, com tanta chuva que estava caindo aqui no Rio, eu estava sem inspiração alguma... Ela deve ter olhado para o tempo e ficou com preguiça de sair de casa, quando mais de vir bater à minha porta. Se eu fosse escrever, ia sair alguma coisa melodramática da qual eu iria me arrepender na manhã seguinte, então preferi não fazê-lo.
Tendo em vista que amanhã já é dia de mais capítulos do meu livro, resolvi compartilhar aqui um pequeno texto que escrevi há uns anos e de que gosto bastante. Espero que apreciem.


A Criação

Pai, pai, conta pra gente a história da criação!!
– É, conta pra gente, pai.
– (Bocejo)
– Conta!!
– Tá bom, tá bom, calma, vocês dois. A história da criação...
(Pausa) Há muitos e muitos anos atrás, o senhor Galo, um galo alto e bondoso, blusa xadrez e chuteiras, trabalhava na criação todos os dias. Era um campo enorme, uma porção de bolas, e quatro aros bem alto no céu, dois juntos, e mais dois um pouco distantes.
– Legal!!
– Aros no céu?
– É, filho.
– Tipo, nuvens?
– Tipo nuvens.
– Mas aros não voam.
– Os aros do senhor Galo voam.
– Ah...
– Ele pegava uma bola, posicionava com carinho na grama, olhava pra cima, verificava a posição do vento, tomava distância, e PIMBA! A bola subia com força, encantada que era, e passava por um dos dois aros mais próximos. Ali ficava decidido se ela seria macho ou fêmea. Girando e girando, a bola corria em direção aos dois outros aros (Pausa para bebericar o uísque)
– Uau... que galo esperto, pai!!
– É, ele é sim, minha filha.
– Uma bola que vira macho ou fêmea?
– Isso mesmo.
– Só porque passou dentro de um aro?
– Filho, você precisa perceber que o senhor Galo não é um indivíduo qualquer, como eu e você. Ele mora em um lugar especial, com objetos especiais e habilidades especiais. Algumas coisas podem ser estranhas, mas, nessas horas, lembre-se que é coisa do senhor Galo. (Pausa) Entendeu?
– (Pausa) Entendi.
– A bola está então no ar, indo de encontro à dupla final de aros. Se ela passar pelo mais próximo, será um animal. Se passar pelo mais distante, será uma planta. Depois de passar por um destes dois, a bola cai suavemente em uma cesta, uma das várias cestas que ficam embaixo dos aros. 
"E aí, o senhor Galo tira um apito bem estranho do bolso, cheio de curvas, e assopra. Dele sai um som lindo, quase um canto. E do céu, desce uma garça, que recolhe a cesta e voa para o seu destino. A garça não precisa de informação alguma, ela sabe exatamente para onde levar a muda ou o filhote."
– Uau!!
– (Pausa para bebericar o uísque)
– Não eram cegonhas?
– Cegonhas?
– Sim, quando eu era pequeno, a professora dizia que eram cegonhas.
– O senhor Galo só usa garças.
– Hm... e a gente?
– O que tem a gente, filho?
– Não foi o senhor Galo... que criou?
– Ah, sim. Mas isso foi muito depois.
– Conta, pai!!
– Tudo bem. (Pausa) Numa bela manhã, quando o senhor Galo se vestiu e começou a escolher as bolas que iria usar, notou algo muito, muito estranho.
– O quê??
– Havia um quinto aro no céu, maior e diferente dos outros. Ele não estava em par, mas ali, sozinho, no meio dos quatro.
– Quem pôs ele lá??
– Ninguém sabe, filha. Nem o senhor Galo. Ele ficou perplexo. Correu até lá, olhou pra cima, examinou a área... no fim, resignou-se. Fez surgir uma nova fileira de cestas, e preparou a primeira bola do dia.
"Fez tudo como sempre fazia, preparou, correu, e PIMBA!, lá foi a bola para o ar. Passou pelo primeiro aro, macho, e ia em direção aos dois mais distantes, como sempre. Mas pareceu que perdeu força e passou direto pelo novo aro, como metal puxado por ímã.
"O senhor Galo correu até a cesta que recebeu o novo ser, e lá estava o bebê, enroscado sobre o próprio corpo, dormindo. Quando o galo chegou, o bebê virou seus olhos claros para ele, e abriu um sorriso sem dentes. E o senhor Galo ficou feliz por ter mais um ser tão bonito para criar."
– Adorei, pai!
– Agora, para cama, os dois, já está tarde...
– Peraí. É só isso?
– É.
– Final feliz?
– (Pausa)
– O senhor Galo não se importou com um aro novo que puxava as bolas todas para ele?
– Bom...
– Eba!! Mais história!!
– Bom...
– Conta, pai!!
– Tá bom (Pausa para golada no uísque) O senhor Galo continuou chutando as suas bolas, mas cada vez mais elas iam parar no novo aro. Ele começou a ficar preocupado. Ao fim do dia, costumava ter quantidades iguais ou muito parecidas de animais e plantas. Mas agora, tinha dezenas de bebês e cada vez menos dos outros. Ele começou a tentar outras estratégias. Chutar mais forte, de mais perto, de mais longe, pouco adiantou. (Pausa receosa)
– Que foi, pai??
– Filha, você não está com sono? Acho melhor ir dormir, tem um longo -
– Não, eu quero o resto da história!!
– É, continua.
– Tudo bem... (Pausa para matar o uísque) A cada dia, senhor Galo tinha menos sucesso em criar mudas de plantas e filhotes de animais. Os bebês vinham em maior número, sempre. O senhor Galo estava perdendo as penas, dormia cada vez menos, tamanha era a sua preocupação. Começou a acordar em plena madrugada, depois de horríveis pesadelos que terminavam com bebês sorridentes em cestas.
"Até que um dia, aconteceu. Ele começou a chutar as suas bolas nos primeiros minutos da manhã, até que ouviu um som que nunca tinha ouvido antes. Gritos. Olhou para trás, e uma flecha de fogo quase o atingiu. E mais outra. O fogo começou a se alastrar pela mata. Arqueiros atiravam um mar de flechas sem fim, até nada sobrar a não ser cinzas. Os arcos caíram do céu com grande estrondo. As bolas murcharam ou explodiram no calor do fogo. A casa modesta do senhor Galo ardeu e caiu, desmontou inteira. E o senhor Galo... ninguém nunca mais ouviu falar dele."
– (Pausa)
– (Choro)
– Leva a sua irmã pra cama, filho, eu vou lavar o rosto e vou lá dar boa-noite.
– Pai! (Soluço) Cadê o (Soluço) senhor Galo??
– Eu não sei, filha. Mas não se preocupe. Ele está por aí, em algum lugar, chutando bolas com suas chuteiras douradas...

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