sábado, 25 de agosto de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 10 e 11

Bom pessoas, fui asssaltado ontem na Lapa e estou um pouco remexido ainda com isso, então não vou fazer post inédito esta semana. No entanto, vão aí mais dois capítulos para o deleite de todos os meus três ou quatro leitores =P.


CAPÍTULO 10

A verdade. Complexa e cheia de riscos, mas finalmente estava esclarecido o motivo do terrível dia que tinha enfrentado. A proteção da Força havia caído, a Hélio-Hidra estava sozinha sem o apoio do banco, dominado pela Companhia. Vertigo descobriu o paradeiro dele, se apossou de Dan e com ele foi até Mauá, onde adentrou pela vida calma e pacata da cidade, transformando a vida de pai e filho em rapto e morte.
Isto o fez perceber algo que havia lhe escapado até então.
Dan...
Sim?
Então meu pai... era um hélio-hidrano? Se a proteção dele era feita desde o início pela HH,
certamente seu pai era peça fundamental deste esquema.
Sim, Yacamim.
Me chame de Victor, pelo menos por enquanto Dan. Era simplesmente estranho demais ver
seu amigo de década o chamar de um nome que havia acabado de aprender. Dan gargalhou, e to- dos na sala, até então calados, o acompanharam na risada.
Claro Vic, completamente compreensível. Seu Carlos era um membro muito respeitado e amado pela Hélio-Hidra, é uma perda irreparável. Não houve modo de alertá-lo para a chegada da Compa- nhia, nossos encantamentos em Mauá caíram junto com o banco e os membros de proteção foram todos dominados e mortos. Os poucos que conseguiram fugir ao cerco guardam apenas dor e la- mento,
Sinto muito pela sua perda, Yacamim. Uma senhora lhe falava, cabelos grisalhos encaracola- dos caindo aos ombros, rosto encovado e voz arrastada Eles entraram na cidade com uma agili- dade incrível. Tudo trabalho daquela Mafalda, mais conhecida como Leoa, e os capangas dela.
Leoa? Vic se sobressaltou Foi a mulher que entrou na minha casa! Que me capturou e...
Sim, Vic, foi ela mesmo. afirmou Dan.
Dona Márcia! Victor olhou de Dan para a mulher. Nem havia sinal de uma senhora chorosa e
triste. Ela estava calma, mas bastante séria, a expressão dura e fechada. Mas é claro, se Dan é da Força...
Sim, é verdade. O pai dele já estava na Força quando entrei, e foi aqui que nos conhecemos. Seu Carlos certamente se orgulha de ter desencarnado lutando para defendê-lo, embora tenha sido sem dúvida pego de surpresa com o ataque. Ele era muito hábil, mas Leoa certamente foi ainda mais. Ela sempre ataca com suas duas armas à mão, o tranquilizante e o revólver. Quando o alvo é duplo, a sorte é lançada. Àqueles que sobrevivem servem para semear o medo e o terror, e os com- ponentes do dardo tranquilizante distorcem a memória das vítimas. Já ouvimos relatos, as memórias soam ainda mais aterrorizantes, e as vítimas costumam ter pesadelos com tiros e Leoa pelo resto da vida.
Bom, Vic... falou Dan Sinto que já lhe contamos tudo. Repouse agora, temos nos fundos um quarto. Por segurança, continuaremos em movimento, até o reencontro na reunião semanal. Não sabemos que postura Vertigo irá tomar em relação à Força, mas receio que iremos descobrir antes de estarmos todos juntos novamente. Imagino, no entanto, que cada um de nós, que por tanto tem- po esperamos a sua chegada, queira lhe falar por um momento antes do fim do encontro...
E de fato, uma fila logo se formou diante do rapaz. Cada uma daquelas pessoas tinha um abraço caloroso para dar, palavras de carinho e confiança, risadas e lágrimas. Durante cerca de meia hora, Victor falou com cada um dos hélio-hidranos, abraçou famílias, riu com senhores e senhoras de ida- de, bagunçou o cabelo de crianças, se impressionou com a emoção de jovens e adultos que final- mente falavam com o herói prometido.
Quando a sala enfim se esvaziou, Vic estava esgotado. Com o acúmulo de informações e a refei- ção maravilhosa de mais cedo, a noite de sono parecia fundamental para assimilar tudo que ouviu.
Certamente precisaria refletir longamente pela manhã, e esperava que seu antigo amigo lhe desse espaço e privacidade para isso.

***

Victor abriu os olhos. Olhou para o relógio, era pouco mais de seis da manhã. Ia se levantando

quando percebeu um prato com pão, queijo e blanquet e um copo de leite na mesinha de cabeceira. Certamente o dia começava cedo por ali, pensou consigo. Se alimentou e apressadamente passou pelo salão da noite anterior, subiu as escadas e saiu do casebre.
De dia, a mata em torno do casebre era bastante acolhedora. Ou assim parecia a Vic, que estava acostumado a viver no interior e a estar em contato com a natureza. O carro que Amanda dirigiu com habilidade horas antes não estava mais ali, provavelmente a moça havia partido antes de Victor acordar.
Pouco a pouco foi se embrenhando na mata. Depois de um tempo, encontrou um tronco caído modelado e transformado em um confortável banco. Deitou ali, olhando os raios de sol que atraves- savam as copas das árvores, o vento agitando as folhas e mudando a luz levemente de posição.
Então, seu nascimento fora previsto por um manuscrito antigo, o mesmo que Vertigo lera para ele na mansão... Seu nome real era Yacamim, gênio e pai de muitas estrelas... o que isso significava? No que sua vida tinha se transformado? Em um momento, estava em paz, vivendo sua vida costu- meira... de repente, estava envolvido em um conflito de proporção continental. Em questão de 24 horas, fora capturado, teve uma conversa surreal com um líder de uma organização desconhecida do grande público e apresentado a um religião secreta, que via nele o grande herói prometido. O que diabos estava acontecendo? Por que agora, todas as coisas ocorrendo no mesmo momento?
Não queria entrar numa guerra. Especialmente quando seu papel era de salvador! Não se sentia pronto para nada daquilo. Era apenas um garoto, deveria estar voltando às aulas em poucas sema- nas, e não estar caminhando para uma luta da qual não tinha muita confiança de que sairia vivo.
Talvez fosse um engano? É isso, certamente tinham pego a pessoa errada. O herói do manuscrito deveria ser alguém corajoso e confiante na vitória, que trajasse a armadura assim que esta se ofe- recesse e fosse à luta. Este não era ele. Iria dizer a Dan que haviam cometido um erro, e tudo volta- ria a ser como antes.
O sol já reinava no céu quando Vic retornou para a entrada do casebre. Encontrou Dan prendendo uma mochila de camping nas costas.
Bom-dia disse o rapaz, descontraído Acredito que tenha descoberto o banco de madeira, não?
Oi Dan. É, descobri, sim... um lugar maravilhoso. Não é como a Jabuticabeira do quintal em Mauá, mas ainda assim...
É verdade, não é. Mas tudo que fez parte da infância tem um sabor único e inconfundível, não? Dan parou com um olhar sonhador, olhando para o céu. Todos os lugares que associamos com os melhores momentos de nossas vidas serão os melhores e mais belos, por mais estonteantes pai- sagens com as quais nos depararmos... bom, vamos?
Eu... não sei... agora diante de Dan, sua decisão parecia vacilar, temeroso da reação de seu melhor amigo, tão cheio de energia e animação para o início da aventura. Dan pareceu perceber,
porque o ficou com olhar indagador. Queria descer, sentir um pouco mais a energia da sala, pode ser?
O garoto de olhos verdes pareceu captar muito mais do que foi dito. Por um momento, continuou a olhar Vic com expressão misteriosa, até que abriu um sorriso.
Claro, eu vou esperar aqui.
Vic se encaminhou para a sala. Estava completamente vazia, as almofadas e pufes empilhados a um canto. Sem tantas pessoas ali presentes, era chocante o tamanho do espaçoso salão. Ele cami- nhou, observando as paredes, passando a mão pelas reentrâncias e ondulações tão habilmente elaboradas. Para sua surpresa, reconheceu entre os muitos rostos esculpidos na parede principal o de Apoena, Supremo que lhe falou na reunião e em sonho. Continuou a caminhar, atingindo a esca- da. Lentamente subiu por ela, desta vez observando o lado inexplorado na noite anterior. Depois de muitos lances, parou ao encontrar um rosto decididamente familiar: lá estava seu pai. Seu Carlos estava sorrindo abertamente na pintura, os olhos iluminados pelo sol poente.
Esta imagem repentina destravou as emoções do dia anterior em Victor. As lágrimas encheram seus olhos e ele não fez nenhuma força para reprimi-las. Logo chorava copiosamente, alisando a face do pai na parede. Apesar de todos os seus receios, de tudo que lhe fora retirado, ali Vic soube: não poderia fugir de seu destino. Seu pai, assim como tantos outros que ladeavam aquela parede, deram suas vidas para que ele pudesse estar em pé ali, respirando e livre, a salvo das garras de Vertigo. Não podia agora virar as costas e se recusar a cumprir o que lhe foi designado. Saiu mais uma vez para a mata.
Oi, Vic. Está pronto?
Estou pronto. Estamos indo para onde, afinal?
Como lhe expliquei ontem, precisamos continuar andando, por questões de segurança. Um
grande grupo em um mesmo local é perigoso e insensato. Há lugares que acredito que você deve conhecer. Vamos para o Rio.

CAPÍTULO 11

Como vocês souberam que eu era a criança do manuscrito?
Estavam nos fundos de um ônibus, indo em direção ao Rio de Janeiro. Vic estava com a cabeça encostada no vidro, organizando as idéias enquando observava as árvores e os postes de ilumina- ção passarem velozes por ele. Dan folheava distraidamente o jornal do dia, sem de fato ler as notíci- as.
Yacamim nasceria de uma das primeiras hélio-hidranas, sete noites após a perturbação que mudaria tudo.
Victor pensou apenas por alguns segundos.
Então... Uma semana após a ruptura da Liga?
Precisamente concordou Dan.
Eu guardei esta pergunta com dificuldade ontem, para fazê-la quando estivéssemos a sós...
Vic, eu sei que você se questiona, agora que conhece a verdade, quem é sua mãe. Embora sou-
béssemos que essa seria uma grande dor para você, faz parte do conjunto das dores que precisaria
carregar para cumprir seu destino. Seu Carlos não protestou. Mas sua mãe não o abandonou, Vic. Ela foi morta no primeiro embate que tivemos com a Companhia. Ainda estávamos começando a nos estruturar com o apoio do banco, quando Vertigo e seu grupo nos atacou Dan fechou o jornal e o enrolou nas mãos Como lhe expliquei ontem, ninguém que não pertença a HH pode entrar em nossas moradas. Os encantamentos protetores são tão fortes, que qualquer um que tentasse abrir a porta seria vaporizado, e seus eventuais acompanhantes carregados pelo vento e jogados a cente- nas de metros de distância. O fato de você ter aberto a porta ontem, não só entrando ileso como acendendo a nossa marca, confirma que é Yacamim. A partir daquele momento, você é um de nós, como na verdade o é desde que nasceu. Embora não soubesse, viveu o tempo todo ao lado de hélio- hidranos.
Dan apontou para ele próprio e sorriu. Vic apenas assentiu uma vez com a cabeça. Dan, como sempre, adivinhava seus pensamentos e sabia de suas incertezas. Mas o garoto não estava satisfei- to ainda.
Você ainda não me disse quem...
Vic Dan o interrompeu eu sinto muito. Não posso lhe contar o que deseja saber. A Hélio-Hi- dra pode apenas lhe ajudar no caminho, lhe apontar portas, mas você é quem precisa atravessa-las. Tenho certeza de que descobrirá mais sobre seu passado no momento certo.
Mais uma vez, Victor tinha dificuldade de aceitar isso. Estava o tempo todo cercado de pessoas que sabiam de informações extremamente importantes sobre ele, mas que lhe eram negadas. Sem- pre foi ansioso e seria difícil se acostumar com esta nova posição, em que teria descobrir tudo pelo desdobramento dos fatos e experiência própria. Fechou a cara e tornou a se encostar na janela. Dan apenas o fitou por um momento, retornando ao jornal em seguida.
O ônibus rodou lentamente durante toda a manhã, até chegar à única parada da viagem. Os rapa- zes desceram, foram ao banheiro e pararam em um balcão para se alimentar. Ambos pediram pão com linguiça e café com leite. Enquanto esperavam o pedido, Dan olhava em volta, apreensivo. Co- meram e beberam em pé mesmo, Vic observando o movimento das pessoas pelo local. Era uma mistura de mercado com restaurante em um grande galpão, e parecia haver de tudo um pouco. En- quanto olhava uma senhora escolhendo bolsas em um canto, um reflexo ofuscante bateu nos olhos dos dois. Vic se surpreendeu e se protegeu com as mãos, por instinto, da luz. Dan apenas o puxou dizendo "Finalmente!".
O que está havendo? perguntou Vic, confuso.
Não sabemos o que a Companhia está aprontando, mas ela certamente não descansará en- quanto não colocar as mãos em você novamente. Como Apoena lhe explicou ontem, Vertigo vê em você a chave para os planos dele. Por isso, não seguiremos viagem no ônibus.
Andavam apressadamente pela lateral do galpão, indo para os fundos. Ali, parado sobre a grama alta, estava o conversível. E dentro dele, ninguém menos que...
Amanda! Vic exclamou, surpreso. Ela sorriu para ele e se dirigiu a Dan.
Vamos, e rápido. Tenho certeza de que eles estão por perto.
Os dois entraram no carro e, em primeira marcha, foram dando a volta no posto de paragem. Ao

chegar na beira da estrada, viram os passageiros retornando, um a um, para dentro do ônibus. No entanto, quatro ou cinco permaneciam parados na lateral do veículo.
Muito bem falou Dan Um...dois...três...agora!!
Amanda arrancou com o carro e ganhou a estrada. Logo em seguida, vieram os tiros, zunindo por todos os lados. Eles se abaixaram enquanto projéteis acertavam o retrôvisor e a lataria, sons metáli- cos enchendo o ar. Mas a distância entre eles aumentou, e os tiros pararam. Vic olhou para trás e discerniu apenas o contorno do ônibus, além de cinco homens caminhando cabisbaixos de volta para o galpão.
Eles desistiram anunciou ele para os dois Estamos seguros.
Por agora completou Dan eles não vão parar por aí.
Seguiram em alta velocidade em direção a capital, o som da borracha com o asfalto formando a

monótona trilha sonora, apenas interrompida por carros passando na direção contrária.
Agora Vic relembrava a fuga deitado na cama de uma pensão na Avenida Brasil. Tiveram sorte, sem dúvida. Não sabia dizer se os homens estavam com eles no ônibus, porém se estivessem, po- deriam ter feito o serviço ali mesmo. Talvez Vertigo estivesse convencido de que ele se unira à Hélio- Hidra, e a solução seria liquida-lo. Ou talvez estivesse apenas tentando dar cabo aos acompanhan-

tes e retornar com o rapaz para a sombria mansão da Companhia... De qualquer forma, algo não saía da cabeça dele: como Vertigo conseguiu encontrá-los tão rápido?
Hospedaram-se em um quarto com muitas camas. No entanto, eram os únicos ocupantes da noi- te, o que daria tranquilidade e privacidade para o trio. Dan havia saído para comprar lanches para todos, enquanto Amanda vinha do banheiro, após tomar longo banho.
Lamento por essa fuga um tanto desastrada, Victor. Eu não esperava que eles fossem abrir fogo com você dentro do carro.
Tudo bem Algo mais importante o angustiava no momento. As balas que perfuraram o con- versível pareciam um detalhe do passado agora. Amanda, sinto um fluido energético correndo por mim. E uma desequilíbrio muito grande.
Estas palavras saíram dele de impulso. Mal acabou de falar, teve a sensação de que não fora ele quem as dissera, embora percebesse que eram totalmente verdadeiras. Os olhos da jovem brilha- ram, tal qual na primeira vez em que Vic olhou para ela.
Isto é uma notícia maravilhosa! Os passos do manuscrito continuam se realizando, você está se integrando com os Supremos. Os hélio-hidranos mais antigos conseguem perceber as nuances da energia, mas apenas quando estão em comunhão, protegidos e abençoados em nossas moradas. Apenas Yacamim teria tamanha sensibilidade. Ela se inclinou para frente, chegando perto dele e olhando-o com grande interesse. Vic se mexeu um pouco constrangido com a súbida atenção rece- bida. O que você está sentindo?
Bom... pensou ele. Era difícil traduzir em palavras o que estava passando por seu corpo na- quele momento, mas ele se esforçou Há uma claridade, uma luz muito alva e bela, que certamen- te já brilhou infinitamente em algum momento. Agora, porém, é apenas um reflexo de seus dias passados. Ela brilha fracamente, em tom de lamúrio e dor. Ainda é forte e vive, mas talvez não por muito tempo. Está em grande antagonismo com uma escuridão avassaladora. O breu é tamanho que a luz não é capaz de aplaca-lo. As travas parecem sugar o brilho tão rápido quanto ele surge. E crescem, aumentam de tamanho enquanto conversamos. O balanço pende para o lado escuro.
Foi o melhor que Victor pôde fazer. Havia ainda os calafrios, sensações tatéis, odores, gritos e lu- tas. Sons de metal contra metal, cortantes e agudos de gelar o sangue. Não foi capaz de interpretar tudo o que sentia, mas a profusão de sensações era tamanha que achou que seria incapaz de se levantar sem ir ao chão naquele momento. Amanda pareceu perceber, porque sentou-se ao seu lado e colocou a mão em seu rosto.
Nossa, você está ardendo em febre! Correu para o banheiro, voltando em seguida com uma toalha molhada no momento em que Dan abria a porta do quarto. Ele olhou da garota para Vic dei- tado na cama, e pareceu compreender. Deixou as sacolas plásticas com o lanche em uma mesa de canto e sentou-se ligeiro no outro lado da cama do rapaz.
É a energia, não é? Você a sente como se fizesse parte do seu cerne? Ela vibra junto com as batidas do seu coração, atenua e fortalece a cada respiração, bate à porta, convidada inesperada, e entra sem esperar por intimação?
É... respondeu Vic um pouco surpreso, pois seria incapaz de descrever melhor. Amanda sen- tou-se também na ponta da cama, e colocou a toalha molhada com cuidado na testa dele. O alívio foi imediato, embora já sentisse a água secando. A garota olhou para o recém-chegado.
Dan, esse não é...
Sim, um trecho do manuscrito. Lembrei das palavras no exato momento em que olhei para Vic. Dan virou-se para ele Não se preocupe, você vai ficar melhor. Sua força interior é maior do que imagina. Seu corpo apenas foi pego de surpresa, mas em breve estará sadio e acostumado com essa presença inesperada. Como você deve se lembrar das aulas de biologia, a febre é um aumento súbito de temperatura acionado pelo corpo para auxiliar no combate a um intruso, um organismo estranho. O jovem febril assentiu, se recordava muito bem Pois então. Acredito que o seu conta- to com a nossa morada acordou uma parte adormecida sua, que sempre esteve lá. Seu corpo está reagindo a essa novidade, mas logo será controlado pela maravilhosa energia que flui desta parte nova do seu ser.
Energia maravilhosa? Em que sentido? Vou subir pelas paredes, voar ou coisa parecida? Dan e Amanda riram, levando o comentário na brincadeira.
Acredito que não, Vic. Mas Yacamim é sem dúvida poderoso. Acho que será capaz de elaborar encantamentos, intervenções na energia e outras manobras que nem mesmo Deisy seria capaz de prever. Ante a cara de assombro que Vic fez, Dan continuou Não se preocupe com isso agora. Vamos comer, temos muito para fazer amanhã. Alguém topa uma partida de Uno para acompanhar a refeição? 

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

[Diários de Guerra] Mês 1

Boa noite!

Primeiro, queria pedir desculpas pela minha ausência. Primeira semana de aula do que torço para ser meu último período, acabei me enrolando com os horários e não compareci por aqui. Mas tudo bem, as coisas vão normalizando com o passar das semanas.
Hoje vou começar uma série - está um tal de abrir séries por aqui, né, quero ver quando vou voltar a cada uma delas. Esta daqui vai utilizar um jogo do qual gosto muito, StarCraft II, da Blizzard. Usando como base uma partida épica que participei online com meus amigos Oto e Tiago contra outros três jogadores, vou tecer uma narrativa que não segue com precisão o que se desenrolou no jogo em questão mas se inspira nele. Até!

Diários de Guerra

Mês 1

Frio. Frio e úmido. Molhado igual a porcaria de um pântano. É tudo que eu conseguia pensar na primeira noite no nosso acampamento. Como costuma acontecer, o Imperador ordenou mais uma expansão a mais um terreno desconhecido - estas tem acontecido com cada vez mais frequência desde que Mengsk assumiu o poder. Nós Protoss não poderíamos nos colocar fora da disputa, foi o que muitos defendemos.
Bem, não são eles que tem que enfrentar a porcaria do frio, diria eu. Mas que seja. A primeira coisa que instalamos para conquistar um território é a Nexus, uma enorme estrutura destinada a armazenar recursos e construir sondas. As sondas são robôs que coletam minério e gás vespeno, recursos básicos para a construção de prédios e transdobra de nossas forças altamente treinadas para os locais.
E foi assim que cheguei aqui. Um solitário fanaticus, o primeiro guerreiro protoss enviado para as terras desoladas. As sondas coletaram e construíram um portal. Eu estava em casa, tomando o meu desjejum com a minha mulher, Sirila, me preparando para mais um dia normal como todos os outros, consciente de que o chamado ao dever podia surgir a qualquer momento... e bem, ele surgiu, bem em cima da mesa da minha cozinha. Minha mulher não teve tempo de se despedir de mim... nem da mesa da cozinha que ela tanto ama, visto que esta foi sugada pelo portal também. Infelizmente, a mesa não chegou inteira às terras devastadas, do contrário eu pelo menos poderia terminar de tomar o meu café... mas como muito do que passa pela energia psiônica, a mesa virou pó diante dos meus olhos.

***

A noite caiu mas continuo treinando meus ataques. Na verdade, apesar do fim da luz - que por sinal, pouco dura por estas partes -, a base continua a todo vapor. Não é mais um par de estruturas e um grupo de sondas coletando, apenas o zumbido de seus motores de baixo consumo se fazendo ouvir. Não, agora tenho mais meia dúzia de robôs para me fazer companhia - três sentinelas e três tormentos, pelo menos estes últimos hábitos por seres com quem posso conversar, visto que as sentinelas são 100% robóticas - e mais um bocado de estruturas sendo transdobradas. Uma sonda saiu para bater os arredores há alguns dias e não voltou ainda. Talvez tenha sido abatida pelo inimigo, ou pode ser que tenha enfurecido alguma fera selvagem local - avistei uma espécie de felino nas redondezas ontem.
Durante o dia chegou uma declaração do Imperador, com boas e más notícias. Parece que conquistamos dois aliados para esta nossa expansão - um clã Protoss como nós, e um clã Terrano. Humanos nem sempre são confiáveis, mas aprendemos com o passar do tempo, e Jim Raynor tem parte nisto, que certas vezes a aliança com eles é possível e desejável. Torçamos para este seja o caso, porque a notícia ruim veio embutida no pacote: temos zergs do outro lado da fronteira, além de duas facções Terranas. Como eu disse, certas vezes a aliança com os humanos é possível... mas muitas vezes não o é. E os malditos humanos e suas máquinas de destruição fazem um estrago impressionante.
Por mim, eu começaria este conflito agora. Mas sei bem que não temos forças ainda para isto. Enquanto registro isto, mais três sentinelas chegam transdobradas, e os tormentos comentam baixinho sobre  o lendário - e complexo - Santuário das Trevas. A maldita estrutura começou a ser transdobrada há uma semana e ainda não está completa. Estamos seriamente atrasados porque o Imperador confia nas forças destes suspeitos Templários das Trevas.
Mas não acho que vamos ter tempo pra isto. Os novíssimos canhões de fótons estão disparando. Ouço gritos agudos de zerginídeos morrendo, e outros tantos berrando atrás. O ataque começou, e parece que somos o prato escolhido.

domingo, 5 de agosto de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 8 e 9

Boa noite! Nestes dois capítulos de hoje, a revelação do desafio que aguarda Victor. Boa leitura!


CAPÍTULO 8

Diante da porta, agora aberta, encontrava-se uma garota nos seus quatorze anos, cabelos pretos extremamente lisos, uma calça jeans gasta e uma blusa amarelo-sol. Mesmo com a pouca ilumina- ção, seus olhos castanho-amarelados eram de um brilho fenomenal, como se uma estrela os ilumi- nasse por dentro. A pele, avermelhada como a de uma índia, completava o conjunto. À Vic, ela pare- ceu um anjo, visão capaz de fazê-lo esquecer por alguns segundos o dia terrível que passou.
Depois do que poderiam ter sido minutos de contemplação, Victor se mexeu, um pouco constran- gido, e olhou em volta pela primeira vez. Sentiu suas pupilas dilatando com a beleza do lugar. As paredes eram esculpidas e moldadas em curvas tão leves e belas que pareciam ter sido lapidadas por entidades divinas. Embora o ambiente fosse iluminado por suaves lâmpadas vermelhas, uma cor ouro vibrava pela sala, e parecia estar vindo dos que ali estavam reunidos. Havia homens e mu- lheres, velhos e crianças. As feições eram as mais diversas, aparentando haver ali grupos de dife- rentes regiões do Brasil, embora fosse curioso observar que todos guardavam um ou outro traço in- dígena no rosto, como a cor de pele, o tipo de cabelo ou o formato dos olhos. As expressões eram variadas, demonstravam contentamento, emoção, temor, expectativa. O salão era amplo, embora tivesse o teto baixo, mas mesmo assim estava praticamente cheio. Não havia cadeiras ou mesas,
apenas numerosos pufes e almofadas, formando círculos concêntricos. Foi para o centro de todos que se encaminharam, e logo Vic percebeu que todos estavam ali para vê-lo. O ar parecia suspenso, o tempo parado, os ponteiros congelados esperando pelo próximo lance.
Dan se adiantou, olhou para ele com um sorriso encorajador, limpou a garganta e abraçou a todos os presentes com o olhar.
Muito bem, gente. Todos vocês naturalmente sabem que esta é uma reunião muito importante para nós. De fato, fundamental para a Hélio-Hidra e talvez para toda a América Latina. Estamos pre- senciando o andamento dos dizeres do manuscrito, e apenas por isso já deveríamos nos considerar agraciados.
- Bendito sejam os Supremos todos os presentes disseram. Victor se sentiu ansioso e ligeira- mente deslocado do ambiente. Todos ali pareciam vibrar em sintonia fina, corações e mentes liga- dos em causa única. Sentia-se fora de um conjunto, e isto se somava a todas as sensações ruins deste dia. Dan pareceu ler seus pensamentos, porque o segurou pelos ombros e o conduziu para uma das almofadas.
Hoje conversaremos longamente. Há muitas coisas a serem contadas e esclarecidas. Primeira- mente, porém, devo pedir a paciência de todos. Victor teve um dia difícil e tenho certeza de que não se alimenta há bastante tempo. Vamos nos alimentar, aqui no lar abençoado dos Supremos, para então poder dar início à reunião, sim?
Todos concordaram e se levantaram. Alguns se encaminharam para os fundos, de onde tinidos de pratos e talheres se fizeram ouvir. Outros foram para a frente da sala, na direção oposta da porta pela qual Vic e Dan entraram. Ali ficava a mais magnífica parede da sala, com desenhos em relevo de muitos rostos. Logo abaixo, havia mesas baixas, com diversas travessas e garrafas tampadas, e pufes altos e destacados dos demais. Os pratos foram chegando, juntamente com talheres e copos. Porções iguais foram servidas em cada prato, e líquido servido nos copos. Em questão de dois minu- tos, todos já retornavam para as posições originais, trazendo nas mãos a refeição.
Aqui está a sua comida, Victor. Ela é feita por hélio-hidranos no litoral. Comemos frutos-do-mar, alimento abençoado pelas águas. A bebida servida é o suco de luz do sol, rico em hortaliças, clorofi- la e energia vital do astro maior.
Vic estava de olhos fechados, absorvendo a energia maravilhosa que emanava do local. Sentia-se calmo, pela primeira vez desde que deixou seu quarto pela manhã. Quanto quem lhe falava se ca- lou, ele olhou em direção à voz. E lá estava a garota angelical. Ela sorriu quando os olhares dos dois se encontraram, enquanto ele pegava desajeitado o prato e a bebida de cor verde oliva das mãos dela.
Bem-vindo. Meu nome é Amanda, e vou orientar a reunião junto com Dan, então, se alimente com calma para melhor absorver os nutrientes abençoados e fluidificados pelos Supremos. Tenho certeza de que será a melhor refeição da sua vida!
Com isto, ela se virou e foi em direção aos pufes mais altos, diante da mesa pouco antes domina- da pelas travessas de alimento, onde já estava um sorridente Dan, começando a se servir de seu prato.
De fato, a refeição estava primorosa. Se era por conta das longas horas sem alimento ou pela energia contida no alimento divino, Vic não sabia dizer. Até porque, pelo que entendeu, não era par-
te da Hélio-Hidra e não tinha certeza se acreditava nos Supremos. No entanto, se sentia em paz e aberto àquela nova experiência. Algo dentro dele lhe dizia que era importante.
Assim que todos terminaram a refeição, mais uma demonstração de organização e entrosamento foi dada. Muito rapidamente, os pratos foram passando de regiões opostas do círculo central para os externos, até que duas pilhas de pratos que eram leves e pequenos estavam sendo levadas por dois membros do círculo mais externo para o fundo do salão. Estes logo retornaram e sentaram- se novamente.
Quer começar, Dan? perguntou Amanda.
Acho que o momento é seu, minha cara amiga.
Ela sorriu para Dan, e então olhou para os presentes.
Bem-vindos. Eu sou Amanda, participo da Hélio-Hidra há sete anos, desde que cheguei ao meu
sétimo aniversário e mamãe recebeu sinal de que era o momento de me iniciar. A amável dona Deisy não está mais aqui para observar este momento em carne, mas estará presente hoje em espí- rito para acompanhar, como todos nós aqui reunidos, o momento pelo qual ansiamos desde que ela recebeu o Supremo que trouxe a nós o manuscrito.
Bendito sejam os Supremos disseram todos à menção do texto.
Hoje, teremos uma conversa de esclarecimento com Victor. O herói mencionado pelo Supremo está hoje entre nós, e chega precisamente como previsto. Ela fez uma breve pausa, e falou sole- nemente Na companhia de grande conhecido, se depara com o total desconhecido...
Diante de nobre grupo, o esclarecimento é oferecido todos completaram.
Passo a palavra ao Dan, enquanto me preparo em prece para o recebimento de uma ilustre convidada, como esclareceu e orientou para este momento o manuscrito.
Bendito sejam os Supremos disseram todos.
Dan sorriu e olhou para seu amigo, sentado no círculo central diante dele.
Bem-vindo, Vic. Não quero mais prolongar suas dúvidas e receios com procedimentos honrosos
ou algo parecido. Sei que quer respostas e está confuso com a expectativa enorme que gira em tor- no de você.
Eu agradeço se manifestou Victor pela primeira vez. Então comecemos.


CAPÍTULO 9

Sabemos que você esteve, poucas horas atrás, com Vertigo.
Expressões fechadas e preocupadas surgiram ante esta frase. Dan, no entanto, continuou. Tal- vez esteja pedindo muito, mas gostaria de ouvir de você como foi este encontro.
Vic respirou fundo. Não era uma memória agradável, mas era de se imaginar que a Hélio-Hidra quisesse saber como foi a reunião do líder da Companhia com ele. Preferiu omitir o sonho com os campos de trigo e a mulher na casa de praia, mas em alguns minutos, descreveu em detalhes tudo que foi capaz de se lembrar: como acordou já na sala com a saudação de Vertigo, a forma como este caçoou da opção da HH de não preparar o herói desde cedo, as informações fornecidas sobre a Liga Brasileira e a divisão entre Força e Companhia que se seguiu a isso. Contou como Vertigo se
gabou de ter agarrado o manuscrito antes de deixar a Liga, do ataque ao banco e subsequente cole- ta das últimas peças necessárias. Mencionou também Dan amarrado e desacordado no sofá, e a fuga enquanto o homem lia frases de um papel antigo e amarelado. Exclamações mudas e expres- sões de total incredulidade surgiram com esta última informação.
Nossa, Vertigo de fato optou por uma abordagem ofensiva com você se surpreendeu Dan Quanto à sua cinematográfica fuga, acho que devemos todos agradecer muito à sua coragem e à nossa querida Amanda por intervir no momento certo.
Foi a vez de Vic se surpreender. O intruso que salvou os dois das garras de Vertigo e os trouxe de carro até ali foi Amanda?? Podia jurar que havia sido um homem, embora não tenha visto o rosto por baixo do capuz... Amanda deu um sorriso discreto, os olhos fechados em meio à preparação que fa- zia.
Sim, Vic, foi ela quem nos resgatou da mansão. Ela seguiu a Companhia de Mauá até São Pau- lo, desde o momento em que nós dois fomos capturados. Dan fez uma pausa e bebericou de um copo de suco de luz disponível para os orientadores da reunião Você deve ter percebido que Verti- go estava tentando leva-lo a se unir à Companhia. Vejo que os filósofos, como sempre, focaram to- talmente na razão e deixaram a fé e emoção de lado na interpretação do manuscrito que roubaram de nós.
"Há vinte anos atrás, período final da ditadura, embora isso não fosse sabido na época, Deisy re- cebeu um dos Supremos. Aqui, nesta mesma sala, um pergaminho foi preenchido, com instruções preparatórias para a chegada do herói. Infelizmente, não podemos lhe mostrar o texto, pois como sabe, ele foi tirado de nós pouco depois.
"Felizmente, a mãe de Amanda era extremamente sábia. Foi capaz de ler nas entrelinhas das ins- truções, enxergar além. Enquanto os filósofos e muitos hélio-hidranos contavam com o herói para acabar com a ditadura, Deisy sabia que muitos anos viriam até que ele estivesse pronto. Um bebê não derrubaria um governo.
"Os filósofos achavam que sim, bastava que muitos acreditassem nisso. O povo se regozijaria nes- ta boa-nova, e o nascimento da criança seria propulsor e energia vital para que a população se li- vrasse do autoritarismo. O destino logo veio lhes fechar a porta quando os primeiros interessados na novidade quiseram auxiliar da única forma que os filósofos rejeitariam: dinheiro.
"Imagino que você se surpreenda que tenhamos aceitado a oferta dos banqueiros. Para que você entenda isso, é preciso captar o embate que ocorreu na fragmentação da Liga. Infelizmente, eu ain- da era um bebê quando isto ocorreu, então, se Amanda estiver pronta...”
Todos na sala, ao fim dos dizeres de Dan, repetiram o gesto que o rapaz fez para acessar a esca- da do casebre. Vic percebeu, então, que, assim como o símbolo, este era um ato da Hélio-Hidra.
Olá, Yacamim. Como é bom vê-lo novamente.
Victor se surpreendeu ao ouvir isto. Era o mesmo nome usado pela mulher no sonho, a mesma voz... e vinha de Amanda, que estava com aura e comportamento completamente alterados, embora parecesse em paz.
Eu sou o Supremo escolhido para recebe-lo aqui hoje. E é com alegria que vejo que está pronto para nos ouvir e aceitar em seu coração o seu destino.
O rapaz apenas assentiu. Não estava mais temeroso ou assustado. Sua vida até o momento em que atravessou a porta era um borrão indefinido, não tinha mais importância. Sentiu o mesmo for- migamento que o assaltou quando segurou a maçaneta da entrada do casebre pouco antes, e desta vez não resistiu. Não sabia ao certo o que estava ocorrendo com ele, mas concordava que estava de fato pronto. Era como se estivesse esperando todos aqueles anos por isto.
"A Liga não se fragmentou no momento em que Vertigo nos virou as costas com seus seguidores levando o manuscrito em suas mãos. Há muito que a união entre filósofos e religiosos era instável, propensa a uma separação forte, como a entrada de um composto explosivo em combustão. A com- binação ocorre com eficácia e grandes resultados, que podem ser bons como a ativação de um mo- tor, ou catastróficos como uma bomba atômica. Temo que a segunda opção seja mais próxima da verdade por trás da formação da Companhia e da Força.
“Hélio-hidranas experientes, como eu e Deisy, sentíamos uma perturbação energética. Os Supre- mos nos traziam palavras de força e esperança. Naquele momento, a Liga Brasileira sustentava su- as atividades através dos filósofos, embora não soubéssemos da procedência do capital. Talvez você pense que éramos apenas uma resistência a nível de ideal, mas as orações e a devoção dos mem- bros da Hélio-Hidra eram de grande importância para abrir na escuridão o caminho para a liberdade. Não houve um dia em que a participação da HH não fosse relevante para o fim das ditaduras na América, tanto pela ação dos Supremos como de seus membros, partipantes ativos da resistência e até mesmo infiltrados em cúpulas do poder, agindo de dentro para fora no enfraquecimento dos re- gimes autoritários.
"Quando aceitamos a ajuda dos banqueiros cariocas para a sustentação de nossas atividades, Vertigo simplesmente enlouqueceu. Ou assim pensávamos, quando ele escancarou a porta e saiu levando metade da Liga com ele. Hoje sabemos melhor. Os filósofos financiavam as nossas ativida- des através de mercado ilegal, vendendo para quem tivesse interesse, resistência ou ditadura. Des- de o manejo de armas até cordões com o símbolo da Hélio-Hidra, cada produto que Vertigo vendia era negociado secretamente e sem o nosso consentimento. A HH sempre foi uma religião desconhe- cida do grande público, de caráter extremamente divino e com poucas adesões ao longo dos anos, sempre através de descendentes de sangue sinalizados como membros pelos Supremos. Eis que nosso símbolo de ordem estava sendo comercializado e banalizado por um homem em quem confi- ávamos cegamente. Esta descoberta, trazida em uma reunião com entidades, foi um baque muito grande que selou o fim do contato entre Companhia e Força. Ficou bastante claro o motivo da fúria de Vertigo: ele não mais seria necessário para suprir financeiramente a Liga. Além disso, estava lu- crando em peso com a ditadura, fato este que se comprova pela riqueza que acumulou ao longo dos anos de regime autoritário e que permitiu a ele hoje ter sua mansão e toda a verba necessária para encontrar o paradeiro do herói. Não pense que esta é a única fonte de renda da Companhia. O capi- tal e os contatos formados por Vertigo com as vendas ilegais ao longo da ditadura possibilitaram a ele formar uma rede de tamanha proporção, que hoje ele tem influência e poder nas áreas que mais lucram no Brasil: Comunicação, Metalurgia, Veículos e Engenharia Civil. O único setor mais lucrativo que tinha fechado as portas para a Companhia era o bancário, e o banco que nos apoiava foi toma- do à força ontem, como você já está sabendo.
"Não pense que isto é feito às claras. A população desconhece a organização que controla a vida de todos. Não sabe a influência que a Companhia exerce na formação cultural e nos conceitos ad- quiridos pelo povo. Desconhece o real destino dado à pedágios e tarifas, à boa parte do lucro na venda de carros e de usinas siderúrgicas e metalúrgicas. Vertigo e seu grupo são como uma grande luva negra que cobre o Brasil, sem se preocupar em intervir na política, mas lucrando com todos os setores do país. Pelo que conhecemos da forma de pensar dos filósofos, eles esperam que você, Yacamim, seja a peça final deste tabuleiro. Entendem o desequilíbrio da energia como a incerteza do seu futuro, mas a garantia da vitória deles. Se você concordar com os ideais e se juntar a eles, vão ter a força necessária para exercer controle sob toda a América Latina e rivalizar com os Estados Unidos em capital e poder. Caso contrário, sua morte deverá selar a garantia da vitória nesta em- preitada considerada gloriosa.
"Antes que você se pronuncie diante de tanta informação, devo lhe explicar a origem de seu ver- dadeiro nome. Victor foi apenas um nome provisório, visando protege-lo e tornar mais difícil para a Companhia a descoberta do seu verdadeiro valor. Pela descrição que nos deu agora pouco de seu encontro com Vertigo, felizmente apenas nós sabemos desta verdade.
"Assim como o meu, seu nome provém do tupi-guarani, língua indígena falada no Brasil muito an- tes da chegada dos colonizadores. Me chamo Apoena, significa aquele que enxerga longe. Você se chama Yacamim, gênio e pai de muitas estrelas. Que tipo de estrelas e quantas estas serão, depen- derá apenas de suas escolhas e ações. Assim como indicado pelo manuscrito, você nasceu dentro da Hélio-Hidra, e recebeu o nome destinado por ele. Mas o nome Victor lhe garantiu a segurança do anonimato. Continuar a usá-lo ou não é uma das escolhas que você deve tomar."
Com isto, Amanda desfaleceu no pufe. Dan segurou a cabeça dela, deitando-a em posição mais confortável. Em seguida, virou-se para Vic, bastante sério.
Seu esclarecimento acontece no momento de maior desequilíbrio energético, como previa o manuscrito. Nossa fonte de renda foi tomada, não mais seríamos capazes de proteger e ocultar a sua localização, por mais que a Companhia não o tivesse encontrado hoje. Todos aqui trabalham e irão certamente contribuir como puderem, mas isto jamais conseguirá manter as nossas atividades por mais do que dois ou três meses. Nós e nossos antepassados dedicamos a vida à Hélio-Hidra, e neste momento crítico, confiamos nas palavras do manuscrito para equilibrar a balança e, quem sabe, combater e derrubar o domínio de Vertigo. O controle exercido por ele e seu grupo é muito mais severo e complexo do que o regime autoritário que vivíamos na época da Liga. Eis o real desti- no que o aguarda, Yacamim. 

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

[conto] O drama do Papai Noel

Estamos em Dezembro de 2007, e a linha de produção do Papai Noel já deveria estar tão agitada quanto costuma ser nesta época do ano. Os duendes correndo de um lado para o outro supervisionando máquinas, verificando as linhas de produção, rejeitando qualquer presente que apresente um mínimo de falha - mesmo que seja uma volta errada no laço de fita, veja só você - e preparando o fabuloso trenó. As renas de folga por enquanto, pastando livremente no ambiente de dez hectares mantido especialmente para elas, com direito à lagoa com temperatura regulada e quitutes uma vez por semana - mais não, sabe como é, ô bicho fácil de engordar a rena.
Falando em engordar, o Papai Noel se preocupa com seu peso, sabe. Ele já tentou ser um velhinho em forma entregando presentes por aí. Mas acreditem, simplesmente foi tomado por um impostor. Chegou a ser expulso das casas em que entregava normalmente os presentes. Para prosseguir as entregas - já com o horário apertado -, precisou usar uma barriga falsa. Ele até pensou em adotar isto como solução definitiva, até que no ano seguinte, a barriga caiu quando ele descia por uma lareira, entrou em contato com o carvão ainda quente e CHUM! Adeus barriga falsa. Chamuscou inteirinha. A novela foi tremenda para improvisar outra, e o atraso mais uma vez foi considerável. Para evitar o drama no ano seguinte, Papai Noel aceitou seu fardo: precisava ser um velho gordinho. Decidiu portanto consultar sua nutricionista e manter uma dieta saudável mas com um nível mais elevado de carboidratos controlados, de modo a não ter problemas com artérias, vasos e afins já em idade tão avançada. É um incômodo, carregar essa barriga por aí, mas ele sabe que faz parte do trabalho, e não reclama. Papai Noel ama fazer a alegria da garotada entregando os presentes de Natal. E uma das partes que ele mais gosta desta rotina é quando abre as cartas das crianças.
É exatamente aqui que começa a nossa história. O bom velhinho chegava na sua prancha - o quê? Ele mora em pura neve! Achou que ele se locomovia por aí carregando as pobres renas o tempo todo? - para mais um dia de trabalho. O mais especial deles: o último malote com as cartas havia chegado na noite anterior, então era hora de afinal sentar e ler todas, desfrutando uma tarde com seus principais duendes registrando cada pedido. O prazer de abrir cada carta ao lado da lareira, uma caneca de chocolate quente de um lado e os biscoitos amanteigados preferidos do outro, pés com meias em cima da mesa de centro, a luz de leitura acesa equanto Mibo se encarrega de abrir e lhe entregar cada carta e Bomi de anotar os pedidos é incalculável. Depois vem a parte mais complicada, e que há muitos anos o Papai Noel deixou para os dois duendes: entrar em contato com os fornecedores para se assegurar de que teriam todo material necessário para começar a produção. Enfim, estou divagando. O bom velhinho entrou naquela manhã fria em seu chalé acoplado à linha de produção - com vidro reforçado para deixar o barulho do lado de fora - e encontrou Mibo e Bomi à sua espera, o que era incomum.

- Mibo? Bomi? O que aconteceu? Ih... não me digam que-
- É melhor o senhor vir conosco, Noel. - disse Mibo.
- Nunca vi nada parecido em toda a minha centenária vida... - suspirou Bomi.
- Muito bem... Levem-me até a encrenca, senhores.

O trio passou pela porta dupla até, percorreu rapidamente a linha de produção parada - os duendes estavam no exterior, verificando a confiabilidade dos novos fornecedores mais baratos e pechinchando com os já conhecidos; embora alguns eventualmente aproveitem a época mais folgada para fazer bicos nos parques da Disney, peças, musicais e afins - e foi até a área de descarga. Lá estavam estocadas todas as cartas para o Papai Noel, e acredite, eram muitas. Muitas mesmo. O suficiente para encher quinze caminhões grandes, lembrando que as cartas vêm em malotes apertadinhos de cem cada um. De todos esses malotes, alguns estavam abertos, com suas cartas espalhadas em uma cúpula roxa.

- Noel, fizemos a conferência padrão, cinco malotes aleatórios escolhidos, cinco cartas aleatórias de cada um deles, totalizando vinte e cinco cartas.
- Eu sei Mibo, fazemos isso há décadas. Prossiga, você está me deixando nervoso, sabe que quando isso acontece tenho azias terríveis.
- Bem, Noel... acho que é melhor ler do que explicar. Por favor, fique à vontade.
- Mas... ah, tudo bem. Bomi, meus óculos por favor.

O duende já previa a situação e já estava com os óculos à mão. Papai Noel se abaixou e pegou um punhado de cartas da cúpula. A primeira carta que leu era de Sam Norton, da Noruega.

Querido Papai Noel,
Eu já lhe pedi um Xbox, um Macbook, câmera fotográfica, iPod e um punhado de outras coisas legais. Mas esse ano nada disso está me ajudando. Por favor, Papai Noel, este ano eu preciso ficar magro! Eu quero ficar magro e quero que o bom velhinho me dê um presente para eu conseguir, tá? Por favor!
Beijos,
Sam.

Papai Noel,
Minha mãe não entende muito bem, mas eu sei que você vai entender. Ela queria me dar uma viagem de Natal, mas eu não quero. Meu pai queria me dar um tablet, mas eu também não quero. Eu quero ficar magra! Minha mãe diz que eu já sou, mas eu quero muito mais, todas as minhas amigas são magras e eu quero ser mais magra também. Obrigado, tô dizendo obrigado porque todos os anos você me dá o que eu quero e eu sempre me comporto porque sei que no ano depois você vai me dar também então já estou agradecendo porque eu sei que você vai me dar meu presente porque eu me comportei, né? Eu sei que sim, eu sei!
muitos beijos,
Daphne

Assim se seguiram muitas outras cartas. A cada uma que Papai Noel abria, mais seu queixo caía. Os duendes, conhecedores de longa data do homem, já esperavam por isso e estavam prontos para a reação. Quando o velhinho deu por si, estava lendo a última das vinte e cinco cartas - mais um pedido de magreza - sentado em seu confortável sofá, com a lareira acesa, os pés sobre a mesa de centro, um chocolate quente à sua espera do lado esquerdo e uma caixa novinha de biscoitos amanteigados à direita. Mibo olhou para ele assim que Noel fechou a carta, ou talvez já estivesse olhando há tempos.

- Bem... senhor...? O que faremos?
- Não nos resta outra opção, Mibo, precisamos ler o resto, como sempre fazemos. Você se lembra do ano das patinetes? Parecia que não leríamos outra coisa, mas logo ficou claro que era uma febre restrita à América do Sul, sinal de uma epidemia tardia que antes havia se espalhado ao longo dos anos no resto do mundo, mas que morreu tão rápido quanto veio. Nunca vi tanta criança brasileira querendo um daqueles...
- E no ano seguinte, quase nenhuma. Maldito brinquedo - reclamou Bomi.
- Não são piores que aqueles infelizes bate-bates... Dois duendes na linha de produção resolveram viciar naquele negócio quando estavámos produzindo e conseguiram deixar os dedões sangrando com o choque daquelas bolas de plástico. Um parece que até perdeu a unha...
- Mibo, Bomi, foco por favor. Precisamos de agilidade aqui. Vamos precisar de ajuda se a sina se confirmar para lermos tudo mais rapidamente...
- Já contávamos com isso, Noel.

Mibo estalou os dedos e rapidamente dois outros duendes entraram no aposento: Dino e Sauro, dois primos e costumeiros ajudantes em momentos difíceis.

- Minha dupla jurássica predileta, que bom que vieram, que bom. Por favor, sentem-se aqui ao lado e vamos começar.

A dupla já havia transportado os malotes até próximo do aposento, de modo que os quatro duendes em pouco tempo conseguiram alocar tudo em posição propícia. Logo Mibo, na sua surpreendente velocidade de sempre, abria os malotes e as cartas tão rápido que Dino, Sauro e Papai Noel tinham outras cartas à mão no instante em que terminavam as suas. Os minutos se sucederam aos segundos e as horas aos minutos... até que terminaram de ler as últimas cartas.

- Catástrofe... isso é uma pura e completa... catástrofe! - exclamou em desespero Papai Noel.
- Senhor... não queríamos aumentar seu sofrimento... mas não fazemos ideia de como atender a este pedido - disse Mibo.
- De fato. Temos apenas... 20% de outros tipos de pedido, e já montamos um estoque preliminar que cobre esta demanda. Os duendes poderão ter mais uma semana de férias porque não há pedidos suficientes para mantê-los na linha de produção mais do que quinze dias. Mas 80% dos pedidos são este... não só um número inédito, mais alto até do que o de PlayStations 2 no lançamento... com a diferença de que desta vez não temos um produto, só um pedido mágico - elocubrou Bomi.

Os duendes Dino e Sauro preferiram ficar em silêncio. Não eram bons de lógica e argumentação, apenas de trabalho pesado, e sabiam que nessas horas era melhor ficar calado. O Papai Noel estava vermelho de nervosismo, e os duendes já haviam cautelosamente recuado em direção à porta. No entanto, ele não parecia que ia ter um ataque daqueles de cinco anos antes, quando ficou tão nervoso por um defeito na linha de produção que levaria cinco horas inteiras na véspera do Natal para ser resolvido que atirou um duende pela janela. Claro que depois ele pediu muitas desculpas e promoveu este duende a seu assistente especial... Bomi. E ele era justamente o que estava mais próximo à porta, pronto para fugir no primeiro sinal de alteração.

- Mibo... desça a tela de projeção e carregue o vídeo promocional dos anunciantes vencedores do ano, sim? E deixe uma caixa extra de amanteigados e uma dose dupla de chocolate quente. Quem sabe não surge uma luz...

Aliviados, os duendes saíram do aposento, retornando com as canecas de chocolate, a lata de biscoitos e baixando a tela de projeção. Mibo carregou o vídeo, apagou as luzes principais, deixando apenas a de ambiente, e deixou o Papai Noel a sós.
Foi um duro momento, o do Papai Noel. Após tantos anos de bons serviços, surgia um problema deste porte. Gerações se sucediam levando alegria às crianças, mas nunca havia ouvido falar de uma situação parecida. Ser magro?? O papel da criança não era brincar, se sujar, correr, pular, rir...?
De todo modo, não cabia a ele questionar os pedidos, mas sim atendê-los. Pôs-se então a assistir os vídeos promocionais enquanto devorava os biscoitos e o chocolate, sem grandes esperanças de um milagre simplesmente cair no seu colo.

Mas caiu.
Quando o velhinho já estava quase adormecendo e só sobravam farelos de biscoito e espuma de chocolate nos recipientes sobre a mesa, algo chamou sua atenção. O anúncio lhe trazia a resposta como um soco na cara, mas um soco bom... um que acordou e deu energia para revidar e afastar de vez os problemas. Ele prontamente se pôs na linha de comunicação.

- Mibo? Mibo, meu amigo...! Achei a nossa solução! Sim, achei sim! Entre em contato imediatamente com Satoru Iwata. Sim, o presidente da Nintendo! Peça um número suficiente de Wiis, Wii Fits e uma tal de Wii Balance Board. É, Nintendo Wii e Wii Fit. Isso. Ele pode ser durão, mas exija desconto de atacado. Se ele não quiser ceder, diga a ele que com essas vendas ele vai ser facilmente citado em algum lugar como um dos CEOs mais influentes do planeta.

E foi mesmo. No fim das contas, Iwata aceitou e Papai Noel resolveu seus problemas. As crianças tiveram um Feliz Natal pulando e se exercitando com seus Wiis, Balance Boards e Wii Fits da vida. Um natal que elas nunca esquecerão. E a Nintendo também não.