sábado, 28 de julho de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 6 e 7

Boa noite, galera! Espero que estejam tendo um ótimo fim de semana!
Continuamos aqui com a saga de Victor. Um local secreto surge... boa leitura!






CAPÍTULO 6

Os cabelos batendo no rosto ao sabor do vento acordaram e devanearam Vic, paradoxalmente, ao mesmo tempo. Sua atenção foi imediatamente para o sonho com os campos de trigo, os cabelos passeando na ventania.
Vic estava no banco do conversível. Lá estava Dan ao seu lado, vivo, respirando, o que era um alí- vio. Ao volante estava o misterioso e providencial intruso do encontro entre Victor e Vertigo. Se era possível ter certeza de algo, pensou Vic, era que nada de bom sairia daquela sala soturna.
— Quem é você?
Foi a primeira pergunta que Vic conseguiu elaborar, sentado no banco traseiro do carro, com nada além de estrada imersa na escuridão da noite para todos os lados.
— Não se preocupe, haverá tempo para introduções logo.
Agora que observou melhor o seu salvador, Victor percebeu que ele estava usando um máscara de lycra, que encobria totalmente o seu rosto. Mediante o conselho de esperar e o carinho que o vento fazia em seu rosto, em conjunto com as fortes emoções do dia, Vic logo fechou os olhos e adormeceu.
— Vamos, já chegamos.
Não era o motorista que lhe falava, mas sim Dan, posto ao seu lado, sem mais cordas nos pulsos ou mordaças na boca. Vic o abraçou, era bom ouvir uma voz familiar em meio a tantas desventuras.
Desceram do carro. Estavam diante de um velho casebre de madeira, parcialmente escondido pela mata. O próprio veículo estava coberto com grossas folhas de palmeira, praticamente invisível. A estrada não estava a vista, e o único som perceptível era o de grilos e cigarras na densa floresta que os envolvia.
— Vamos logo, os dois.
O chamado veio de dentro do casebre. Os amigos se encaminharam para a porta. Adornado na madeira desgastada, havia um sol corcoveado por duas grandes gotículas de água.
— Olhe Vic... — começou Dan, sua expressão séria e pálida por trás dos grandes e expressivos olhos verdes. — Há muitas coisas acontecendo, imprevistos...
Victor achou que sabia aonde o amigo queria chegar, mas não sentiu o menor desejo de ajuda-lo. Era a segunda vez naquela noite que alguém lhe dizia que não sabia de muitas coisas, e preferiu ficar em silêncio do que explodir em desabafo, despejando a enxurrada de mágoas e dúvidas que iam dentro dele. Simplesmente assentiu, esperando que Dan continuasse.
— Sabíamos, é claro, que a Companhia estava o tempo todo somente um passo atrás de nós, mas acredito que fomos confiantes demais em achar que o banco era impenetrável. De algum modo, eles perpassaram os encantamentos e...
— Encantamentos? — Ele precisou se controlar para não rir do amigo, que estava levando a con- versa profundamente a sério. — Que papo é esse?
— Olhe Vic... Há muito, muito mais para ver e viver do que você viu em Mauá. Especialmente para você. — Ele levantou o olhar sério, impedindo Victor de se manifestar, pois o rapaz já estava abrindo a boca para falar novamente. — Você ouvirá tudo que sabemos. Preciso, antes, lhe dizer o básico, e pedir... Bem, lhe pedir desculpas.
Era o que Vic achou que aconteceria. Ele amarrou a cara e olhou para o lado, parecendo subita- mente entretido por um vaga-lume que fazia seu tradicional espetáculo de luzes ali perto.
— Eu imagino como você está se sentindo — Dan parou, pôs uma mão na testa e riu baixinho. — Aliás... Não, eu não faço idéia. Mas posso supor... Acordei antes de você no carro e já fui posto a par dos fatos. Tem sido um dia doloroso e cheio de desafios e descobertas para você, posto como foi de cabeça em uma realidade que você desconhecia. Sei que parte desse desconhecimento... — Vic olhou feio para ele — tudo bem, a culpa é naturalmente nossa... mas consequências terríveis poderi- am acontecer se você crescesse dentro dessa realidade. Era preciso que você vivenciasse tudo isto.
Ouvir isto não ajudou a melhorar o humor de Victor. Ouvir coisas do tipo vindas de um desconhe- cido homem careca de expressão maldosa era ruim. Ouvir de seu melhor amigo algo semelhante o fez se sentir ainda pior. Dan viveu com ele durante toda a infância, se conheciam perfeitamente bem. Agora Vic se via nadando em um oceano de novidades intocadas até então, e no meio da mai- or das ondas estava seu melhor amigo, climatizado e desfilando a sabedoria de um surfista local. Ele sempre soube, e nunca disse uma palavra. Se soubesse de tudo... Se soubesse, talvez seu pai...
— Vic...? — A voz de Dan o despertou das dores que estava remoendo, e ela estava um tanto la- crimosa. — Eu sei que é quase como pedir o impossível, mas por favor, busque conter a sua mágoa anterior e me ouvir. É crucial que você o faça, para que entre em nosso meio.
Victor não o encarou. Eles não tinham sequer trocado farpas, mas ele se sentia como se tivesse discutido em altos brados durante horas. Não queria pensar em mais nada, mas fez o esforço. Fe-
chou os olhos, respirou e inspirou profundamente, e olhou para os verdes olhos do amigo, que esta- vam marejados. Isso não fez com que se sentisse melhor. Se Dan omitiu tudo isso do melhor amigo, que agora se mostrasse forte e corajoso. A fraqueza não iria amaciar os ânimos de Victor.
— A Hélio-Hidra segue sendo uma religião desconhecida, e não é por acaso. — Ele falava rapida- mente pela urgência de entrarem no casebre, ou o mais rápido que conseguia com a voz embargada como estava. — Novos membros vem apenas pelo laço de sangue próximo, filhos, netos...
Ele esticou a mão e alisou as marcas na porta.
— Todo lar adornado com este símbolo é um templo e uma filial da HH. Assim sendo, fortes encan- tamentos a protegem, mais complexos e numerosos do que os que protegiam o banco. Isto sempre somado ao fato de serem em locais de pouco ou nenhum acesso, muito bem escondidos e vigiados 24 horas por dia. Mas isto não deve ser problema algum para você, mesmo que seja o único em um raio de quilômetros que não pertence à Hélio-Hidra.
— E por quê? — indagou Victor.
— Você verá, assim que tentar abrir a porta.



CAPÍTULO 7

Apenas uma porta comum. Era nisso que Victor tentava pensar enquanto levava a mão à maçane- ta. A última porta que tentou abrir trouxe dor, morte e rapto, menos de 24 horas atrás... Ele só espe- rava que desta vez o resultado fosse diferente.
Ao tocar a maçaneta, percebeu que ela tinha nada de comum. Era claramente feita de pedra, mui- to polida e lisa, quase sem atrito. Mesmo exposta ao tempo, o objeto tinha um tato peculiar, pois não estava quente nem frio.
Vic experimentou abrir a porta de uma vez, e muitas coisas aconteceram ao mesmo tempo. Sentiu um formigamento tremendo em sua cabeça, como algo ansiando por ser libertado. O símbolo da Hélio-Hidra brilhou em cores vivas, o amarelo do sol e o azul-oceano das gotas de água. A maçaneta esquentou por um momento a mão dele, mas logo em seguida retornou ao normal. Um ar denso passou por ele, arrepiando seus cabelos no momento em que o novo ambiente surgiu diante de seus olhos.
Recuperado do susto, o rapaz olhou através da porta. Esperava ver esplendor e beleza. Um salão ricamente adornado, tapetes persas pelo chão, poltronas de couro confortáveis. Algo que rivalizasse com o luxo discreto mas onipresente da sala de Vertigo. Talvez por conta de sua expectativa, Victor ficou chocado. Tal qual o exterior do casebre, o local estava aos cacos. Estava parado na entrada de uma cozinha pobre e praticamente vazia. Era um cômodo conjugado, percebeu, pois via uma mesi- nha e uma cama logo adiante e a única divisão da casa levava ao banheiro. A estrutura lhe parecia frágil, propensa a enterra-los em madeira e terra a qualquer momento. Onde estavam as pessoas que os chamaram para entrar, inclusive o intruso que o libertou das garras de Vertigo?
Dan passou por trás dele, sem parar um momento sequer para observar o casebre abandonado. Adiantou-se para a mesinha, empurrando-a com agilidade para o lado. Olhou então para Vic, e fez sinal para que ele se aproximasse.
Ora, ali estava o símbolo novamente. A mesinha escondia a marca da HH, e leves fissuras no piso indicavam a presença de uma passagem. Afinal, aquele não era de fato o local da reunião.
Apenas lhe peço para que não me interrompa.
Vic não entendeu o que o amigo quis dizer, mas assentiu. Dan então, de súbito, ergueu ambos os braços, fez um movimento circular anti-horário, e terminou com as mãos alinhadas com o rosto, na altura do peito, a distância de uma bola de futebol entre elas. Como em resposta ao gesto, para a perplexidade total de Victor, o símbolo brilhou exatamente como o da porta. Em seguida, o trecho recortado do piso não se mostrou um alçapão, como Vic pensou que aconteceria, mas sim começou a descer e, por fim, com um clique, parou.
Ali, com o símbolo ainda brilhando, estava uma escada imponente, toda formada de mármore, exceto pelo trecho de madeira engastado com a marca reluzente.
Vamos? perguntou Dan, sorrindo para ele.
Ahn? Ah, sim, vamos.
Os dois foram descendo os degraus, Dan à frente. A iluminação vinha da própria escada, peque-

nas luzes nas laterais de metros em metros. O trajeto era em espiral e descia lentamente, dando a oportunidade aos membros da Hélio-Hidra de observar o ambiente durante o caminho: o teto baixo e habilmente cavado, dando a sensação de firmeza e estabilidade oposta ao casebre logo acima; as pinturas na parede, todas remetendo ao sol, à água ou rostos de homens e mulheres, certamente importantes dentro do grupo. Depois de um tempo, percebeu que havia desenhos nas duas paredes, ao passo que ele vinha observando apenas a da esquerda.
Lamentava os detalhes perdidos quando o percurso acabou e chegaram à uma porta. Esta tinha novamente o símbolo da HH, e era alta e lustrosa. Não houve tempo para mais observações, porque a porta começou se moveu. Alguém a estava abrindo pelo outro lado. 




quarta-feira, 25 de julho de 2012

[Aventuras de Scott] O nascimento e as mães


Boa tarde!

Este post vai em homenagem ao Dia do Escritor. Parabéns a nós! Para fazer jus à data, escrevi um conto inédito. A princípio seria uma simples história, mas como ela cresceu e não chegou a terminar, pode ser que eu continue com ela em outros posts... se vocês gostarem (e me deixarem saber que gostaram)!

O nascimento e as mães

Meu filho é um menino sonhador e aéreo de 7 anos de idade. A irmã dele, de 9 anos, não vê graça alguma em suas brincadeiras e constantemente o ignora, não foi capaz de deixar de lado o ciúme até hoje. No entanto, enquanto eu estava reclinado sob minha leitura noturna ao lado de minha esposa, que preparava a aula que daria no dia seguinte, os dois chegaram juntos à sala. Clara arrastava Scott pela mão, gargalhando com vontade. Ele parecia não conseguir decidir se estava sendo caçoado ou homenageado.
- Pai, mãe! Vocês tem que ouvir a última do Cotinho.
- Clara, já disse pra não chamar seu irmão assim.
- Tá, tá, mas é sério, vocês precisam ouvir essa. É a coisa mais bitolada que eu já ouvi!
Ela pegou o irmão pela mão e o colocou no centro da sala, de frente para nós, e tomou seu lugar costumeiro no pufe ao lado da varanda, próxima o suficiente para que conseguíssemos ouvir seus risinhos de prazer com a situação. Scott estava agora constrangido, tendo decidido que a situação era toda uma gozação com ele. Mas tão logo olhou para mim, deixou isto de lado. Seu semblante se encheu com sua costumeira animação que antecede uma história fantasiosa cheia da inocência juvenil.
- Tá bom. Oi pai, mãe. Hoje nós vamos para longe. Muito longe. E não é para o Lago Ness, como no verão passado, e nem mesmo para a Pólo Sul, como na semana passada. Hoje nós vamos… para o espaço. E não só isso… nós vamos para o passado! Veremos com nossos próprios olhos, protegidos previamente, é claro… o nascimento do Universo como o conhecemos!
Sim, meu filho falava muito bem para sua idade. Embora usasse a internet e jogasse videogame como qualquer garoto da sua idade, sua grande paixão eram histórias. Livros, RPGs, séries, filmes… não importava. Quão mais complexa fosse, mais ele se apaixonava por ela. E as aventuras que bolava em sua mente não deviam nada às tramas que ele tanto adorava.
- Tudo aconteceu há alguns anos atrás, quando eu nasci. Vocês não serão capazes de se lembrar porque a experiência anterior de vocês foi apagada, obliterada de suas mentes, não existe mais. Porém, meu pai e minha mãe, assim como da Clara, não são vocês. Não exatamente vocês, de qualquer modo. Vocês são extremamente semelhantes a eles em todos os atributos, mas tomaram decisões ligeiramente diferentes, e por isto estão aqui e não eles.
- Scott, querido, olha a hora! Acho melhor nós todos…
- Ei. Deixe-o contar.
Interrompi minha esposa no ato. Ela frequentemente se assustava com as histórias de Scott. Temia que nosso apoio à criatividade maluca dele poderia ser um estímulo indevido, que tudo saísse de controle e ele acabasse alucinado, trancado em um hospício qualquer. Eu frequentemente dizia a ela que Scott não terminaria assim. Tinha um potencial incrível e nosso papel não poderia ser de bloquear a criatividade que fluía de suas veias como água de uma nascente particularmente majestosa. Meu papel, como pai, era admirá-lo por isto sem ser babão demais, e ajudá-lo a atingir degraus cada vez mais altos, e era exatamente isto que estava fazendo naquele momento. Ela captou meu olhar e entendeu o recado. Suspirou e tentou parecer particularmente interessada e não incrivelmente preocupada.
- É, tem razão, amor. Prossiga, filho, queremos muito viajar com você.
- Tudo bem, mãe. Embora você não seja exatamente minha mãe, eu entendo este comportamento, porque minha mãe teria por padrão tomar decisões de aspecto oposto a este que você teve agora, e como a conheço por estes 7 anos de experiência, caso você tivesse apoiado que eu continuasse com a história, eu temeria que você não fosse mais você…
Neste ponto, minha mulher estava quase caindo no choro. Mais uma vez precisei conduzir o barco.
- Filho. Volte um pouco a fita, sim?
- Ah… ok, desculpe. Quando eu nasci, então. Meu pai e minha mãe estavam muito felizes por este segundo filho. Não que vocês não pudessem estar, mas conceitualmente vocês ainda não existiam ainda.
- Filho.
- Tá, desculpa de novo. Vou explicar sem desvios então. Eles estavam muito felizes. Queriam muito ter um casal e foram agraciados com um menino. No entanto, as coisas começaram a dar errado na semana do meu nascimento.
´´Minha mãe estava grávida de oito meses e meio e a previsão dos médicos era para um parto normal em quinze dias. Meu pai precisava viajar para o sul a negócios, mas voltaria com folgas para acompanhar o nascimento. No entanto, algo não estava normal naquela manhã. Os ventos alísios estavam empurrando no sentido contrário. O Sol deveria estar batendo na persiana da cozinha, mas ao invés disto estava matando de calor a pobre Clara em seu quarto que só costuma receber a luz do poente. O café estava com gosto de chá no desjejum, e os pães com manteiga e mel pareciam mais lagartos com alcaparras e amêndoas. Talvez fosse um sonho, ainda estivesse, na verdade, dormindo? Apenas sonhou que acordou, mas continuava no sonho? Se assim fosse, pensou minha mãe, estava mais para pesadelo. É que ela odiava lagarto. Odiava com todas as suas forças.
´´Ela se apressou com as tarefas do dia. Escolheu trabalhar até que faltasse apenas uma semana para o parto, afim de aproveitar o máximo de sua licença junto do filho. Assim, esperou apenas a chegada da babá - que parecia estranhamente uma fugitiva da FEBEM, mas como nada estava fazendo sentido naquele dia, ela deixou estar -, entrou no carro e foi para o trabalho.
´´Chegando no colégio, foi para a sala dos professores. Era dia de prova, então pegou o envelope com as questões no armário e foi para a sala de aula. Aí sim as coisas ficaram decididamente estranhas. Primeiro, ou algo muito maluco estava acontecendo com seus olhos, ou agora ela dava aula no Oriente Médio, visto que os alunos por algum motivo qualquer usavam roupões, capas, sobretudos ou algo do tipo, e não se pareciam nem um pouco com seus alunos usuais. Depois, o cabeçalho da prova indicava que a matéria era Controle dos Feitiços Mágicos Nível Cinco, e embora ela fosse a professora indicada logo abaixo, nunca na vida tinha ouvido falar de algo parecido. Exceto na infância, quando seu tio-avô contava histórias de magia para ela.
´´Ela resolveu ler a primeira questão. 
1) Caso encontre com um Necromante portando apenas seu equipamento básico de segurança, você deve:
a) Rapidamente procurar nos itens por uma enguia mágica e atirá-la no Necromante enquanto faz a dança aquática da eletricidade.
b) Fazer uso da poção da fumaceira para criar uma distração e correr no sentido contrário.
c) Encontrar o chaveiro do guarda-sol para retornar em segundos para a casa mestre.
d) Ficar e lutar, ele vai caçá-lo até o fim do mundo de qualquer forma.
´´Isto era ridículo, ela não podia continuar lendo. Se encaminhou para a porta para dizer aos colegas professores que a pegadinha não tinha a menor graça e prejudicaria os alunos pelo tempo perdido quando, na pressa, jogou o envelope de provas no chão. De dentro dele saiu uma pequena folha amarela que não tinha notado antes. Quando se abaixou para ler as palavras ali contidas, seu berro se fez ouvir até o estacionamento do colégio.´´
Ninguém na sala se mexia. Mesmo Clara, que há pouco continha risinhos, estava vidrada, concentrada no irmão mais jovem como se pudesse extrair dele o resto da história com o poder da mente. Logo reparei que eu estava da mesma forma, pois meu livro jazia no chão e eu sequer percebi quando caiu. Recolhi o exemplar de Truques da Mente do chão e olhei para Scott.
- Continue, filho.
As duas mulheres da sala confirmaram com a cabeça. Todos os olhares estavam no nosso contador de histórias mirim, e ele parecia estar contente por isto, como em geral ficava quando contava uma história que nos fisgava - o que acontecia quase sempre.
- Tá ok, lá vai.
´´Quando ela deu por si, minha mãe estava deitada em uma maca sendo transportada em grande velocidade pelo corredor de um hospital. Ela agarrou o primeiro braço de jaleco branco que estava em sua frente.
- O que diabos está acontecendo aqui?!
- Ó, que bom que a senhora está acordada! Ela está acordada!
- Vamos, Oscar, vamos, não dá pra parar não, quer que nasça aqui no meio do corredor?
- Como assim? Meu filho só vai nascer na semana que vem… Eu…
- A senhora está confusa, é normal. Sua bolsa estourou enquanto estava no trabalho, ligaram de lá avisando que você desmaiou e precisava ser levada imediatamente para o hospital. Como deve sentir, já está em trabalho de parto, cada segundo é precioso aqui.
´´Ela sentia, ah, se sentia. Mas algo a assustava ainda mais: nada parecia fora de lugar ali. Pessoas normais, corredor normal. Nem sinal do mundo estranho que a saudou durante toda a manhã como um lunático fugido do manicômio falaria com um passante assustado. Sabia que devia se sentir grata, mas um grande temor passou por sua mente: e se fosse maluca? Se tudo aquilo vinha da cabeça dela, teria distúrbios mentais? Passaria esta doença recém descoberta para o filho? E Clara, desenvolveria o mesmo problema quando chegasse o momento?
´´Logo não conseguiu mais pensar em nada disto. O filho estava vindo e as dores deixavam bem claro que ele estava impaciente para ver o que o esperava do lado de fora. Tão cegante que foram, as dores a fizeram perder a noção do tempo. Poderiam ter se passado dias ou apenas alguns segundos, envoltos em gritos de: Força! Força! Força!
´´Então, o médico entrou em seu campo de visão, com uma trouxinha nos braços. Ele abriu um sorriso para ela.
- Parabéns, é um menino lindo e saudável.
Ela sorriu também, mas este sorriso ficou logo amarelo e morreu. Tudo começou a dar errado novamente. A sala em um segundo era uma, e de repente era outra. As mudanças eram sutis para os outros, mas para ela eram tão suaves quanto uma manada de elefantes caindo do Empire State em uma floresta de balões de gás de múltiplos tons. Uma sinfonia ensurdecedora. As luzes mudaram de lugar, rebatiam nas paredes contrárias. O piso mudou de cor. Os médicos estavam trajados como na maldita Arábia de novo. Deus, ela estava trajada de forma muito estranha. E estava sumindo… ou melhor… alguém, alguém muito parecida com ela estava sumindo, e ela ficando mais visível. O que diabos estava acontecendo ali? Ela se foi sem entender. Quem ergueu braços trêmulos para me receber no colo não foi ela… foi você, mãe.´´
Só o silêncio recebeu aquele final.
- É… filho. Nós adoramos conversar sobre suas histórias e acho que entendo onde quer chegar, mas tenho o palpite que sua mãe e sua irmã não fazem a menor ideia do que aconteceu aqui.
Scott olhou para elas e percebeu o mesmo. Clara estava com o olhar perdido e segurando a testa com força. Ela sempre ficava com uma forte dor de cabeça quando confrontada com algo que não conseguia entender, mas queria compreender de qualquer jeito. Ela estava se esforçando, mas isto parecia só aumentar a dor. Já minha esposa aparentemente estava boquiaberta há algum tempo, pois próximo como estava pude ver que seus lábios estavam ressecados e ela babava como um São Bernardo. As pupilas estavam grandes como pratos.
- Tudo bem. Eu posso continuar, pai.
- Não precisa. Vou ajudar você, sim? Vamos lá. Onde eu me encaixo?
- Sabe, pai, foi bom você ter perguntado. Eu não sei dizer com certeza. Eu afirmei que você não foi realmente meu pai, mas pode ser que seja. Veja, quando você viajou e retornou depois, apenas para descobrir que eu já havia nascido, nada mudou em absoluto. Pode ser que você tenha sido englobado no conjunto de memórias que foi deixado para trás pela minha mãe real e tenha sido assumido e se assumido como parte desta nova conjuntura… ou talvez você também tenha passado para a outra realidade, o que significaria dizer que os dois atravessaram o portal. Receio que nunca saberemos ao certo.
- Duas realidades. São duas mães, portanto. Estamos falando de realidades alternativas?
- Isso. Minha mãe queria o filho. Mas alguém a estava sabotando. As portas entre as duas realidades foram abertas e ela, num mundo paralelo onde não pôde ter o filho por algum motivo, fosse porque o perdeu na gravidez ou algo parecido, queria tanto quanto. E passou a lutar com todas as suas forças para que isto acontecesse. Mãe, não adianta tentar se lembrar disto, porque quando você atravessou para este lado, suas memórias ficaram lá, assim como as dela quando passou para a sua antiga realidade. Vocês trocaram de passado, o que na prática fez com que vocês assumissem as decisões tomadas em cada uma das realidades como suas. Você não é exatamente quem ela foi, mas também não é quem você era antes de ser o que é. Entende?
- Não.
- Scott está dizendo que você…
- Eu sei o que ele está dizendo! EU SEI!
Silêncio.
- Ei, calma. É só uma história… não é, filho?
Scott normalmente respondia com um alegre ´sim ´ a esta pergunta, mas desta vez olhou para o alto como se não fosse com ele. Suspirei. Isto era preocupante. Não que eu achasse que fosse verdade, mas o fato dele não ter certeza indicava que eu precisava mesmo ter uma conversa com ele sobre os limites entre realidade e ficção.

sábado, 21 de julho de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 4 e 5

Boa tarde pessoal!


Como vai o final de semana? Espero que estejam animados para ler a sequência do livro! São curtos e fecham o primeiro momento de ação do livro. Sem mais delongas, boa leitura!




CAPÍTULO 4

"Há muitos anos atrás, como você certamente sabe, nosso país entrou em uma longa ditadura. A princípio, esta iria durar apenas alguns meses, no máximo uns poucos anos, para que um novo governo civil se instaurasse. No entanto, isto não aconteceu. Os militares permaneceram no poder, o que gerou a revolta de muitos.
"Este impasse fez com que o governo ditatorial tomasse providencias, e o DOPS entrou em cena, com suas famosas torturas cruéis, espionagens e assassinatos, como em todo regime autoritário.
"Assim, um grupo percebeu que o caminho para a liberdade não mais deveria ser direto. Era preciso fazer reuniões secretas, estudar, buscar uma maneira que não fosse a dos protestos abertos ou a das armas.
"Formou-se, assim, a Liga Brasileira. Religiosos e filósofos juntos em busca de um ideal comum, o direito da liberdade. Veja bem, não estamos falando aqui de quaisquer pessoas, e sim dos adeptos da hélio-hidra, secretíssima religião ligada ao sol e às águas, e filósofos inovadores, decididos a buscar na união com a crença religiosa novos caminhos.
"Passados vários meses e rituais, o mais antigo dos crentes da HH recebeu um dos Supremos. Ali mesmo, bem diante de todos nós. O manuscrito, e todo o futuro do país e da América Latina estava sendo rabiscado diante de nossos olhos. Mais do que uma mensagem, o manuscrito estava indicando a melhor forma de nos prepararmos para a chegada do herói. Que atos heróicos seriam feitos por ele, não sabíamos, pois o Supremo não especificou. Porém, ficou evidente pelos olhares brilhantes que se espalharam pela sala enquanto o manuscrito era lido que todos acreditávamos na vinda daquele que acabaria com a ditadura e nos devolveria a merecida liberdade.
"No entanto, o trem começou a descarrilar alguns meses depois. A Liga estava toda focada nos preparativos para a chegada do herói, quando um abalo fez com que ela rompesse ao meio. Nós, filósofos, debatemos por dias entre nós, e era claro e cristalino de que mais pessoas precisavam saber disso. Era nosso dever iluminar o próximo e permitir que outros bebessem desse saber, desta notícia. Mais do que isso, a felicidade bateu à porta quando contamos a boa-nova para um grupo carioca, interessado em juntar forcas conosco.
"O real problema aconteceu quando eles se mostraram investidores e banqueiros, que queriam na realidade patrocinar a empreitada. Ora, não somos uma rede de negócios ou um mercado de ações para que invistam dinheiro aqui! Estamos seguindo um manuscrito confiado a nós por um enviado Supremo, que certamente não gostaria de ver este nobre trabalho financiado por um grupo de ban- queiros visando lucro e fama!
"Mas os tolos crentes confiaram nos homens do Rio. Uma discussão que pareceu perdurar por anos se iniciou, e por fim, rompemos. Nós criamos a Companhia, um nome que ostenta uma relação de capital que repudiamos, mas que serve como excelente fachada para os nossos reais interesses. Os crentes formaram a Força, um grupo com nobres ideais, corrompido pelo dinheiro.
"De qualquer forma, a criança prometida nasceu pouco depois da divisão. Como previsto, ela nasceu dentro da HH, algo que lamentamos profundamente. Mas não ficamos a ver navios, pois levamos o manuscrito conosco ao deixar a Liga para trás. Temos, desde então, acompanhado os passos do herói, sem conseguir, no entanto, chegar até ele. O dinheiro dos banqueiros foi muito bem em- pregado para esconder a criança. Ontem, porém, a Companhia finalmente conseguiu derrubar as defesas do banco e acessar as peças que faltavam. Houve muito embate, sacrifícios e morte dos dois lados, até que eu pudesse me deleitar com a sua presença aqui hoje, Vic."


CAPÍTULO 5

Victor se sentia dentro de um sonho longo demais. Herói? Ligas, companhias, forças...? Seu melhor amigo amarrado desacordado à sua frente, e um lunático proferindo absurdos com a tranquilidade de um sábio. Ele era apenas um adolescente do interior, acostumado a jogar bola, comer jabuticaba esparramado na grama e ouvir Legião Urbana! Nada daquilo fazia qualquer sentido...
— Portanto, meu jovem rapaz... Desejamos dar continuidade ao seu treinamento. O manuscrito foi bem claro ao dizer que você aprenderia o caminho heróico pelas vias da dor e do sofrimento. Lamento pelo que precisou presenciar e sentir hoje, mas tudo foi para o seu bem e o de todos nós. Era necessário que fosse dessa maneira.
Victor estava tendo dificuldade em acompanhar. Sua consciência ia e vinha, um mecanismo de proteção ante à dor que sentiria se fosse diretamente atingido por aquelas palavras e pelas lembranças do que presenciara. Agora se lembrava do pai caindo junto com ele na cozinha, as roupas rapidamente adquirindo a cor vermelha... Vermelho sangue...
Vertigo continuava falando e sorrindo, lendo em voz alta para o garoto algo semelhante à poesia, mas Vic só captava palavras soltas: destino, pilar, egoísmo... Quando achou que não mais suportaria, um sussurro chamou sua atenção, vindo da janela atrás dele:
— Corra para a janela, agora!
Victor não parou para pensar no que estava acontecendo. Estava rodeado de eventos estranhos e sem sentido, mas não deixaria de seguir seus instintos e valores nem mesmo na mais estranha das situações. Levantou-se, pronto para circundar a mesinha, olhou um momento para Vertigo, que ainda lia as palavras de um papel seguro nas mãos, e então várias coisas aconteceram ao mesmo tempo.
O lustre de teto explodiu, espalhando contas de vidro para todos os lados. Algo entrou no aposento pela lareira e encheu a sala de fumaça. Victor correu, agarrou Dan com todas as suas forças e, sem olhar para os lados, disparou pela sala e atravessou a janela com Dan desajeitadamente nos braços, enquanto um urro gutural foi proferido atrás dele. Preparou-se para duas colisões, mas não houve nenhuma, a janela foi aberta em meio ao caos. A segunda, com o chão, também não ocorreu: aterrissou no banco de um conversível, que logo saiu derrapando pela rua, deixando a casa e Vertigo para trás. 





quinta-feira, 19 de julho de 2012

[conto] A Criação

Boa tarde!

Queria pedir desculpas pela minha omissão no post autoral do início da semana. Foi um período atípico e, sinceramente, com tanta chuva que estava caindo aqui no Rio, eu estava sem inspiração alguma... Ela deve ter olhado para o tempo e ficou com preguiça de sair de casa, quando mais de vir bater à minha porta. Se eu fosse escrever, ia sair alguma coisa melodramática da qual eu iria me arrepender na manhã seguinte, então preferi não fazê-lo.
Tendo em vista que amanhã já é dia de mais capítulos do meu livro, resolvi compartilhar aqui um pequeno texto que escrevi há uns anos e de que gosto bastante. Espero que apreciem.


A Criação

Pai, pai, conta pra gente a história da criação!!
– É, conta pra gente, pai.
– (Bocejo)
– Conta!!
– Tá bom, tá bom, calma, vocês dois. A história da criação...
(Pausa) Há muitos e muitos anos atrás, o senhor Galo, um galo alto e bondoso, blusa xadrez e chuteiras, trabalhava na criação todos os dias. Era um campo enorme, uma porção de bolas, e quatro aros bem alto no céu, dois juntos, e mais dois um pouco distantes.
– Legal!!
– Aros no céu?
– É, filho.
– Tipo, nuvens?
– Tipo nuvens.
– Mas aros não voam.
– Os aros do senhor Galo voam.
– Ah...
– Ele pegava uma bola, posicionava com carinho na grama, olhava pra cima, verificava a posição do vento, tomava distância, e PIMBA! A bola subia com força, encantada que era, e passava por um dos dois aros mais próximos. Ali ficava decidido se ela seria macho ou fêmea. Girando e girando, a bola corria em direção aos dois outros aros (Pausa para bebericar o uísque)
– Uau... que galo esperto, pai!!
– É, ele é sim, minha filha.
– Uma bola que vira macho ou fêmea?
– Isso mesmo.
– Só porque passou dentro de um aro?
– Filho, você precisa perceber que o senhor Galo não é um indivíduo qualquer, como eu e você. Ele mora em um lugar especial, com objetos especiais e habilidades especiais. Algumas coisas podem ser estranhas, mas, nessas horas, lembre-se que é coisa do senhor Galo. (Pausa) Entendeu?
– (Pausa) Entendi.
– A bola está então no ar, indo de encontro à dupla final de aros. Se ela passar pelo mais próximo, será um animal. Se passar pelo mais distante, será uma planta. Depois de passar por um destes dois, a bola cai suavemente em uma cesta, uma das várias cestas que ficam embaixo dos aros. 
"E aí, o senhor Galo tira um apito bem estranho do bolso, cheio de curvas, e assopra. Dele sai um som lindo, quase um canto. E do céu, desce uma garça, que recolhe a cesta e voa para o seu destino. A garça não precisa de informação alguma, ela sabe exatamente para onde levar a muda ou o filhote."
– Uau!!
– (Pausa para bebericar o uísque)
– Não eram cegonhas?
– Cegonhas?
– Sim, quando eu era pequeno, a professora dizia que eram cegonhas.
– O senhor Galo só usa garças.
– Hm... e a gente?
– O que tem a gente, filho?
– Não foi o senhor Galo... que criou?
– Ah, sim. Mas isso foi muito depois.
– Conta, pai!!
– Tudo bem. (Pausa) Numa bela manhã, quando o senhor Galo se vestiu e começou a escolher as bolas que iria usar, notou algo muito, muito estranho.
– O quê??
– Havia um quinto aro no céu, maior e diferente dos outros. Ele não estava em par, mas ali, sozinho, no meio dos quatro.
– Quem pôs ele lá??
– Ninguém sabe, filha. Nem o senhor Galo. Ele ficou perplexo. Correu até lá, olhou pra cima, examinou a área... no fim, resignou-se. Fez surgir uma nova fileira de cestas, e preparou a primeira bola do dia.
"Fez tudo como sempre fazia, preparou, correu, e PIMBA!, lá foi a bola para o ar. Passou pelo primeiro aro, macho, e ia em direção aos dois mais distantes, como sempre. Mas pareceu que perdeu força e passou direto pelo novo aro, como metal puxado por ímã.
"O senhor Galo correu até a cesta que recebeu o novo ser, e lá estava o bebê, enroscado sobre o próprio corpo, dormindo. Quando o galo chegou, o bebê virou seus olhos claros para ele, e abriu um sorriso sem dentes. E o senhor Galo ficou feliz por ter mais um ser tão bonito para criar."
– Adorei, pai!
– Agora, para cama, os dois, já está tarde...
– Peraí. É só isso?
– É.
– Final feliz?
– (Pausa)
– O senhor Galo não se importou com um aro novo que puxava as bolas todas para ele?
– Bom...
– Eba!! Mais história!!
– Bom...
– Conta, pai!!
– Tá bom (Pausa para golada no uísque) O senhor Galo continuou chutando as suas bolas, mas cada vez mais elas iam parar no novo aro. Ele começou a ficar preocupado. Ao fim do dia, costumava ter quantidades iguais ou muito parecidas de animais e plantas. Mas agora, tinha dezenas de bebês e cada vez menos dos outros. Ele começou a tentar outras estratégias. Chutar mais forte, de mais perto, de mais longe, pouco adiantou. (Pausa receosa)
– Que foi, pai??
– Filha, você não está com sono? Acho melhor ir dormir, tem um longo -
– Não, eu quero o resto da história!!
– É, continua.
– Tudo bem... (Pausa para matar o uísque) A cada dia, senhor Galo tinha menos sucesso em criar mudas de plantas e filhotes de animais. Os bebês vinham em maior número, sempre. O senhor Galo estava perdendo as penas, dormia cada vez menos, tamanha era a sua preocupação. Começou a acordar em plena madrugada, depois de horríveis pesadelos que terminavam com bebês sorridentes em cestas.
"Até que um dia, aconteceu. Ele começou a chutar as suas bolas nos primeiros minutos da manhã, até que ouviu um som que nunca tinha ouvido antes. Gritos. Olhou para trás, e uma flecha de fogo quase o atingiu. E mais outra. O fogo começou a se alastrar pela mata. Arqueiros atiravam um mar de flechas sem fim, até nada sobrar a não ser cinzas. Os arcos caíram do céu com grande estrondo. As bolas murcharam ou explodiram no calor do fogo. A casa modesta do senhor Galo ardeu e caiu, desmontou inteira. E o senhor Galo... ninguém nunca mais ouviu falar dele."
– (Pausa)
– (Choro)
– Leva a sua irmã pra cama, filho, eu vou lavar o rosto e vou lá dar boa-noite.
– Pai! (Soluço) Cadê o (Soluço) senhor Galo??
– Eu não sei, filha. Mas não se preocupe. Ele está por aí, em algum lugar, chutando bolas com suas chuteiras douradas...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 2 e 3

Boa noite! Aí vão mais dois capítulos do livro. Espero que gostem. Ah, sei que ler um livro na tela incomoda alguns de vocês... então caso queiram que eu modifique o esquema de cores/fontes para tornar este processo o menos doloroso possível, me avisem, por favor!




CAPÍTULO 2


O rapaz piscou uma, duas vezes. Foi muito difícil abrir os olhos. Pareceu-lhe que tinha acabado de deitar.
— Acorda meu filho, a dona Márcia não tá bem. Tá se debulhando em lágrimas, tentou disfarçar quando me viu chegando do trabalho, mas...
Seu Carlos nem terminou a frase, pois o filho saltou da cama na mesma hora, encarando-o aflito. — Como assim, pai...?
— Eu não sei, parece sério... Ela gosta muito de você, acho melhor dar um pulinho lá. Mas toma a

sua vitamina antes, tá aqui no criado. — indicou com a cabeça um copo roxo enorme, de mais de um litro, cheio de um líquido verde: vitamina de abacate.
— Claro pai, eu vou sim. — Deu um gole sedento na vitamina e completou: — obrigado.
Seu Carlos apenas sorriu para o filho e voltou para a cozinha.
Em minutos, Victor abriu seu armário simples, se vestiu e encaminhou-se para a saída. A mãe de

Dan era uma mulher durona, devia ser algo realmente grave. Apressadamente, ele atravessou a co- zinha, mas quando sua mão ia alcançar a maçaneta, alguém empurrou a porta com violência. O co- ração veio à boca com o susto, mas os reflexos estavam apurados e ele saltou para trás no momen- to certo.
Na entrada da casa estava uma mulher imponente. Tinha feições rijas de alguém com experiência na dor e em provocá-la, pupilas dilatadas e um olhar feroz. Estava vestida com botas negras, uma calça jeans gasta, dois coldres ocupados na cintura e uma jaqueta de couro fechada sob os cabelos muito loiros. Sua postura lembrava a de uma leoa antes do ataque, o peso do quadril apoiado em uma perna, o corpo ligeiramente inclinado, como que pronta para saltar a qualquer momento sobre sua presa.
— Ora, ora, ora... De saída? — A mulher tinha um sotaque diferente, certamente não era da região.
A resposta de Vic parou na garganta, pois, com agilidade impossível, a mulher levantou duas ar- mas: uma pequena, com um dardo na ponta, e outra de aspecto moderno e metálico, engatilhada e mortífera.
— Eu acho que não... — disse a mulher, sorrindo.
Vic achou que era com ele que a intrusa falava, mas acompanhou o olhar dela e viu que Seu Car- los acabara de surgir da dispensa com a espingarda da família nas mãos. Vic gritou com todas as suas forças, mas não saiu som algum. Algo pontudo se fincou em seu pescoço no momento seguin- te, e ele apagou no chão frio e duro da cozinha. A última imagem que sua retina captou foi de seu pai caindo junto com ele, a blusa empapada de vermelho.


CAPÍTULO 3

— Cuidado, coloquem o garoto com cuidado. Eu vou chamá-lo, não acordem esse aí antes dele chegar!
Vic estava parado no alto de uma elevação, observando a paisagem natural. O vento batia em seu rosto, fustigando seus cabelos e olhos, mas ele não se importou, a vista era linda... Havia campos de trigo, que ondulavam em uma sincronia maravilhosa perante a ação da ventania, como se um maes- tro invisível os coordenasse... A cena mudou, e ele agora estava em uma praia, a água molhando seus pés parcialmente encobertos pela areia. As ondas batiam ritmicamente como os compassos de uma música. Vic olhou para trás, e viu um chalé belo, de aspecto aconchegante, fachada longa e com redes por toda a sua extensão. Da casa saiu uma mulher, que veio correndo até ele. Quando seus olhares se encontraram, ela abriu um sorriso sincero e prolongado, como se tivesse passado a vida esperando encontrá-lo ali.
— Oi, Yacamim. Que bom, que bom ver você, afinal!
Ela se aproximou um pouco mais, olhando-o com grandes olhos cor de âmbar, que à Vic pareciam cheios de doçura e carinho.
— Ferris ia gostar de ver você. Ele ainda está a caminho. Lembre-se Yacamim, não importa o que lhe digam, aconteça o que acontecer, a escolha será sua no final....
Ele pensou em dizer para a mulher que não se chamava assim, que nem imaginava do que ela estava falando...
— Boa noite, Victor.
Diante desse chamado, Victor abriu os olhos. Estivera sonhando até então? Que eram aqueles campos? Quem era a mulher?
— Ora, não tema, estou aqui com a melhor das intenções. Lamento pela forma um tanto grosseira com que meus comandados trataram você até então, mas já tratei pessoalmente para que isso não aconteça novamente.
O rapaz olhou em volta. Estava em uma sala ampla, à meia-luz. Uma grande lareira com moldura dourada dominava o fundo do aposento. O homem e ele estavam sentados frente a frente em duas poltronas de luxo, um tapete persa a seus pés e uma mesinha baixa entre eles. Examinou melhor o homem que lhe falava: era corpulento, a cabeça sem cabelo algum. Tinha um brilho de vigor no olhar cinzento, por trás dos óculos de armação prata. Estava vestido em um terno de aspecto caro, sapatos bem lustrados. Só havia os dois no amplo aposento.
— Por favor, peço que não se acanhe. Trouxe-o aqui para que possamos conversar amigavelmente. — O que o senhor quer comigo? Quem é e por que me trouxe até aqui?
— Ora, meu jovem rapaz... Me chame de Vertigo. Lamento dizer que muitas coisas tem sido ocul-

tadas de você ao longo dos anos. A Força acreditou que esta era a melhor opção, dando tempo para que você crescesse sem perturbações. Veja que tolice! — O homem deu uma risada longa e fria, sem emoção — A Companhia e eu sempre achamos que você deveria crescer cercado por nós, para ade- rir à nossa causa, mas não conseguíamos encontrá-lo. Até agora.
Ele estalou os dedos, e Dan foi carregado até a sala. Estava desacordado e tinha os pulsos amar- rados, a boca amordaçada. Colocaram-no ao lado da poltrona de Vertigo, no chão frio, tomando o cuidado de não tocar no tapete persa.
Vic se levantou de um salto.
— Você... O que fez com ele?? Era por isso que a mãe dele estava inconsolável? — Não conseguia se lembrar do que acontecera depois disso, mas sabia que dona Márcia, a adorável mãe de Dan, estava em prantos na manhã daquele dia...
— Acalme-se. —O tom foi leve, mas não foi um pedido. Vic se sentiu impelido a sentar, como que por impulso. — O jovem ao lado trabalha para o banco, não é? Sabendo disto, roubamos a sede no Rio, apenas como distração, de modo que ele foi liberado muito antes do trabalho. Ninguém se im- porta com Mauá, não é mesmo?
Vic não compartilhou do sorriso malicioso dado pelo anfitrião. A cena lhe parecia pavorosa, o ho- mem falando com naturalidade com seu melhor amigo amarrado ao lado.
— Vamos do início, sim? — disse Vertigo. — Você é especial, Victor. Sabe disso, não? Precisávamos encontrar você, por isto trouxemos este rapaz também. — De chofre, o olhar do homem se transfor- mou, como se uma máquina começasse a girar por trás de suas pupilas. Levantou-se agitado e ani- mado. — Junte-se à nossa causa, meu rapaz. Acabaremos com esta patética Força, com você ao nosso lado!
— Não faço idéia do que o senhor está falando... Vertigo. — Vic resolveu não se portar como vítima, tampouco agir imprudentemente. Precisava ganhar tempo, de um plano...
— Ora, ora, é verdade! Não lhe contaram nada, não foi? Pois bem. — Ele tornou a se sentar, cruzou as mãos sobre o colo e olhou dentro dos olhos do garoto. — Vou lhe contar tudo Victor, tudo o que esconderam de você. 

terça-feira, 10 de julho de 2012

The Long Road

Boa tarde a todos.

Sabe quando você está em um momento ruim, de repente consegue engrenar um bom momento, positivo, acelera, passa a quarta marcha, a quinta... mas aí chega uma curva fechada e você, cheio de confiança, resolve acelerar pra ver no que dá e bate de frente no muro?

Se não, eu te conto o que acontece. Você sobrevive. Incrivelmente. Tira os pedaços carbonizados de carro e tijolos de cima de você. Vagarosamente, bem vagarosamente. O medo de mover cada pedaço e não conseguir ter forças nem para olhar para o próximo é dominante, então tudo é lento. De vez em quando você lembra que está dentro do carro e quer sair por aí acelerando de novo, como se fosse capaz de fazer com que tudo se reconstituísse num passe de mágica... começa a tirar como um maníaco os pedaços que te soterram... mas aí um maior acima de você se desprende, dá uma bela pancada na sua cabeça, e você passa mais uns dias grogue e lento, para aprender a saber contar até dez e controlar os impulsos que nada fazem além de aumentar seu martírio.

Bem. O processo continua. Sair de uma situação dessas é tão fácil quanto atravessar nadando um trecho do pólo norte sem equipamento de mergulho quase nenhuma roupa de proteção. Se você não for com calma, parar para se aquecer e respirar, você morre. Se olhar para trás, desiste. Então, a única forma é continuar, com a cabeça no lugar, evitando pensar muito sobre passado e futuro, mirando nos seus objetivos de curto prazo e se satisfazendo com as pequenas conquistas, porque são elas que vão alavancar uma melhora, que vão finalmente retirar o entulho e permitir sair do carro destruído e recomeçar toda a caminhada.

Constantemente escuto as pessoas mais velhas ou mais ousadas do que eu falarem a famosa frase: saia da sua zona de conforto. Vamos ser práticos e honestos: é difícil pra caramba pegar essa simples sentença e aplicar na vida real, no cotidiano, e não em uma situação ou outra. Na prática, a impressão que eu tenho é como se eu tentasse arrastar uma carga de uma tonelada puxando com um fio dental. Não importa o quanto eu puxe, ela parece que está absolutamente parada. De vez em quando anda um pouquinho, bem quando eu estou querendo parar de puxar, e aí fico todo feliz. Volto aos trabalhos com vontade redobrada... mas a carga não anda. E o processo recomeça.

Outra frase costumeira é que antes de tempos bons, sempre vêm os difíceis. E eu acredito nisso. A maior parte das pessoas se contenta com situações medianas, vidas medianas, pessoas medianas, empregos, casas, objetivos medianos. Acredito que o simples motivo é: o mediano é mais fácil de ser atingido. Mire mais alto do que consegue enxergar, e você sabe que terá um trabalho longo e árduo pela frente, em uma caminhada que parece só trazer incômodos e dores. Após caminhar o que parecem ser dias, o pensamento é: agora está chegando, né? Porém, após contornar a próxima curva fica bem claro que o final do caminho segue tão distante que mesmo sob um céu azul e visibilidade perfeita a estrada segue a perder de vista. E se olhar para trás, o ponto de partida está lá, como que rindo da sua cara.

Qual a conclusão disso tudo? Não sou nem um pouco experiente em sair da minha zona de conforto e enfrentar situações limítrofes que te desafiam além do que você acha ser possível encarar. Tem sido difícil como poucas coisas até hoje. E o processo mal começou, para ser franco. No entanto, se eu quis tanto isso, vale a pena insistir. A dor inerente, a impressão pessimista de que cada dia se avança menos do que o anterior, fazem parte do desafio e do processo. Negar e retornar ao ponto de partida pode trazer satisfação momentânea, mas é inútil - servirá apenas para me lembrar que eu já estive aqui e mais uma vez fui mal sucedido em atingir o que eu me propus a atingir. Portanto, meu caros... se vocês estão insatisfeitos realmente com algo nas vidas de vocês... por que não se permitir? Se desafiem. Saiam, sim, da zona de conforto. Quem disser que é fácil está mentindo. Quem disser que é difícil, também. É muito mais do que difícil. Mas eu prefiro crer que o esforço se paga no final da caminhada. Nem que seja por olhar para trás e, desta vez, ver o caminho percorrido a perder de vista e pensar: uau... eu realmente cheguei aqui. Achei que ia cair no início do caminho, realmente isso quase aconteceu.. mas eu cheguei. E poucas coisas tem uma sensação mais gostosa do que a de missão cumprida.

sexta-feira, 6 de julho de 2012

[Yacamim Livro 1] Prólogo e Capítulo 1

Boa tarde, meus caros!
Sexta me parece um bom dia para postar aqui os capítulos do livro. Caso seja um dia ruim, me avisem, pois a princípio postarei posts originais no início da semana e um capítulo do livro às sextas-feiras.
Antes de começar, vamos explicar do que se trata o livro, certo? Yacamim é um livro infanto-juvenil. Victor é um garoto simples do interior, mas aos quatorze anos de idade, sua vida muda ao receber uma visita inesperada à porta de casa. Em uma sucessão de eventos intrigantes, Vic conhece perdas e conquistas, e descobre verdades sobre clãs escondidos e misteriosos, planos que podem derrubar toda a América e um potencial em si mesmo até então desconhecido por ele, mas previsto e aguardado por muitos. Poderá Vic se preparar e derrotar a poderosa Companhia antes que esta domine a América?
E aí, animados? Então, boa leitura!


PRÓLOGO


Pouco a pouco ia se embrenhando na mata. Logo seus passos abafados pela grama alta encober- ta pela neblina densa e o farfalhar e cortar dos galhos ante a sua passagem era tudo o que podia ouvir. Ele parou por um momento, diante de uma coroa brilhante que o sol formava no chão através das brechas das copas das árvores.
"Sim, acho que finalmente consegui despista-los...". O homem tinha estatura mediana, barbas e cabelos muito volumosos e malcuidados, olhos muito verdes e vestes puídas e rasgadas em vários cantos. Podia ter sido um homem bonito, mas tinha agora as faces encovadas e uma expressão vo- raz no rosto, de alguém com a adrenalina nas alturas e uma obsessão doentia de uma tarefa por fazer.
"Logo poderei mandar a mensagem", pensou consigo mesmo. E então ele viu: um local, já no co- ração na densa floresta, onde a grossa camada rasteira de névoa brilhante e singular rareava e, di- ante de um pequeno patamar de pedra e uma flor do campo, cessava completamente.
Agora convicto de que conseguiria realizar a tarefa com sucesso, aproximou-se em calada venera- ção, ajoelhando sobre a pedra polida diante da flor. Embora diante da luz direta do Sol, a pedra não estava nem quente nem fria.
Então, de súbito, o homem elevou os dois braços, fez um movimento circular com eles como se segurasse uma bola, e terminou com as mãos viradas uma em direção a outra, a certa distância, na altura do coração. Enquanto este gesto era formado, ele disse: "Perante vós, cala-se o mais supremo dos supremos. Passo adiante a mensagem, o manuscrito começou o seu trabalho.".
Mal terminou estas palavras, um grito ecoou muito próximo à clareira. "ELE ESTÁ AQUI!!". Outro seguiu-se a este, de uma voz mais grossa e muito mais autoritária: "MATE-O, AGORA!".
Ferris, ainda ajoelhado na pedra, deu um sorriso, o primeiro em muitos meses. Era tarde agora, estava feito. E foi ainda sorrindo que abraçou a escuridão que o engolfou.


CAPÍTULO 1


A brisa noturna trazia um cheiro de paquera, afogueado pelo aroma da Dama da Noite. Victor se animou com isso logo que colocou os pés para fora de casa. Percebeu que aquela noite de Mauá tinha dono, e iria lhe encher de alegrias.
Ele não havia economizado nos preparativos para esta noite. Colocou suas melhores roupas, pas- sou seu melhor perfume, fez a barba e penteou bem os cabelos. De cotidiano, apenas a pulseira de conchas, feita à mão por ele, e que nunca deixava de usar. Olhou-se no espelho. Sua pele morena contrasta de forma elegante com a roupa clara, os cabelos lisos e muito pretos partidos ao meio, o rosto de feições indígenas o encarando de volta sorridente no espelho, que sempre fazia sucesso com as meninas. Do alto de seus quatorze anos, ele já estava acostumado a zelar pela casa e pas- sar o dia sozinho. O pai, que trabalhava em uma pousada na parte turística da cidade, não havia chegado ainda do trabalho quando Victor inspirou mais uma vez a sorte no ar e pôs-se a caminhar.
Meia hora depois estava entrando na rua central. Era apinhada de bares, restaurantes e a única boate da cidade, facilmente percebida pela horda de jovens à porta esperando para entrar. O som de risadas e da batida da música enchia o ar nas proximidades da casa noturna.
Victor não estava interessado em comida. Tinha destino, e este era a porta negra que levava dire- tamente à danceteria. Como qualquer cidade pequena, todos se conheciam, e Victor tinha a fama de badaladeiro. Fequentador assíduo do local, cumprimentava pelo nome todos os que trabalhavam e visitavam a casa, e muitos diziam que almejava se tornar dono do lugar.
As pessoas foram abrindo passagem para ele, soltando cumprimentos e elogios, saudações e cor- tejos. Logo adentrou a boate, e ia se encaminhando direto para o bar...
— Você está atrasado, Vic.
Ele abriu um sorriso de pronto e se virou para olhar. Reconheceria aquela voz em qualquer lugar. — Dan!!
A alegria estava estampada na fisionomia do rapaz quando correu e deu um grande abraço em

seu velho amigo, parado a um canto, de modo que Victor não o viu quando entrou.
— Como fez para se livrar dos engomadinhos? — perguntou Victor.
Dan era um rapaz alto, de cabelos encaracolados e castanhos que batiam em seus ombros. Tinha

olhos verdes firmes e vivos, que passavam sempre uma sensação de que ele estava escaneando o lugar e todos em que seus olhos batessem. Estava com uma expressão cansada, mas seu sorriso tinha a vontade de badalar brilhante como as luzes coloridas da pista de dança.
— Bom... Parece que o pessoal do banco está com um problemão daqueles lá no Rio, de modo que ninguém está preocupado hoje com Mauá. Os malotes vão ter que esperar até amanhã.
— Caramba, Dan... O que houve? — Uns malucos assaltaram a sede.
Victor olhou o amigo com uma expressão de total assombro. — Quê?? Mas...
Dan fez com um olhar um sinal para o amigo se calar.
— Te conto mais tarde, em outro lugar.

Victor não entendeu o porquê da súbita discrição, mas preferiu não comentar. Logo esqueceu o assunto, e os dois bons amigos em pouco tempo estavam lançando cantadas em sorridentes garo- tas no canto da boate.


***

Os rapazes voltaram andando lado a lado. O sol começava a vencer a noite e raios de luz tingiam as nuvens próximas ao horizonte de amarelo e laranja. O único som vinha dos passos dos dois no cascalho, subindo e subindo, à medida que a morada se aproximava e o centro, já quase vazio, fica- va para trás.
— Está feliz com a vida, cara? Você parece meio abatido... — comentou Victor, espiando o amigo com o canto dos olhos.
— Que papo é esse, Vic? Eu peguei muito mais gatas do que você! — desconversou Dan, dando aquele sorriso que enganaria qualquer um. Exceto Victor, que o conhecia bem demais.
Os dois eram amigos desde a estranha chegada de Dan na cidade. Um furgão metálico estacio- nou em uma casa nas imediações da moradia de Victor, e o fato peculiar chamou a atenção dos vi- zinhos. Logo Vic foi espiar com o pai. Do furgão desceu uma mulher, cabelos louro-avermelhados na altura da cintura, segurando um garoto de cabelos castanhos pela mão. Um homem de terno preto desceu com uma mala, a deixou com desprezo ao lado da porta da casa e retornou ao veículo, dei- xando os dois ali, olhando para a fachada da construção. E logo o furgão arrancou, espalhando cas- calho e fumaça pela rua.
No dia seguinte, Victor foi até a casa com o pai para dar às boas-vindas aos recém-chegados. A mulher entreabriu a porta, e Victor viu o menino espiando pela fresta, mãe acima, ele abaixo. Assim, Seu Carlos conheceu dona Márcia ao mesmo tempo em que Vic conheceu Dan. De forma curiosa, aquele primeiro contato parece ter unido os dois de maneira que palavras jamais fariam. Logo torna- ram-se inseparáveis e a dupla Vic e Dan fez história em Mauá, encantando garotas, divertindo donos de bar, os rapazes eram admirados por todos da pequena cidade.
Victor pensou em tudo isso em segundos, enquanto olhava o sorriso que Dan tanto se esforçou em mostrar. Ele sabia que algo afligia o amigo, mas não quis incomodá-lo. Era a primeira vez em quinze dias que os dois se encontravam, pois o recente e primeiro emprego de Dan o obrigava a fi- car longas noites alerta, entregando e recebendo malotes em um carro-forte de banco. Assim, deci- diu guardar os questionamentos para o dia seguinte, dia de sábado, em que poderiam conversar longamente sob a sombra da jabuticabeira, como sempre faziam.
— É, quem diria... — Victor deu um sorriso verdadeiro. — Parece que esse seu empreguinho está tirando toda a minha clientela.
Os dois riram, e logo se separaram, cada qual se retirando para dentro de casa, no momento em que o sol surgia imponente no céu. 

terça-feira, 3 de julho de 2012

Ligando os motores

Boa tarde!


É empolgante estar começando mais um blog. Faz muitos e muitos anos que escrevi um... mas eu tenho um problema existencial quando se trata de escrever na Internet. O raciocínio é: se estou escrevendo em um local onde todos podem ler o que tenho a dizer... gostaria que as pessoas lessem. Faço um tipo carente de pessoas, entende? Gosto de saber que estou sendo ouvido/lido. Então, tentei instalar aqui no blog uma barra para twittar e curtir o post, assim não toma mais do que alguns segundos de vocês, mas é o incentivo necessário para que eu continue escrevendo. Pensem como se vocês fossem o meu combustível. =)


Indo adiante... vou explicar o título. Eu tinha pensado em algo enigmático que combinasse duas palavras diferentes, dando um novo sentido mas concomitantemente mantendo os anteriores... mas eu me esqueci qual era a palavra...! Maldita memória, não é mais como antigamente. Enfim, optei por este. A figura feminina é, naturalmente, a inspiração. Tem gente que acha que não tem essa história de estar inspirado para fazer nada... que isso é papo, é como esperar que tudo aconteça vindo dos céus. Eu concordo, em parte. Uma das coisas que faço com maior naturalidade é escrever. Costumo fazer as partes escritas de todos os trabalhos, adoro provas escritas (hahaha), enfim, costumo ter facilidade de passar meu conhecimento para o papel. Mas quando se trata de externalizar sentimentos, assuntos que valem à pena ser lidos sem obrigação, só por ser um texto interessante, a coisa muda de figura. Se for música ou poema, então, mais ainda. Precisa ser um bom momento. Uma boa música ajuda, mas se não for o dia, vou passar minutos intermináveis olhando para o papel/tela em branco sem conseguir escrever uma linha que valha alguma coisa. Portanto, existe locais e locais para se esperar uma inspiração.


Recentemente - na verdade, já tem um ano... o tempo voa - escrevi um livro. É daquelas coisas que você coloca como meta de vida, junto com plantar uma árvore... e tinha mais alguma coisa. Enfim, o livro está escrito. Tinha pretenções de publicar, mandei para mais de vinte editoras pequenas e para a Intrínseca, mas não obtive resposta de nenhuma delas. De qualquer modo, foi uma experiência muito boa para mim escrever o livro. Trata-se de uma ficção infanto-juvenil, com magia, adolescentes e entidades secretas, tudo passado no Brasil. Garanto umas boas reviravoltas na história, e um final que deixa vontade de ler mais - seria uma trilogia.


Caso vocês queiram guiar o barco junto comigo, serei muito grato. Posso: 1) escrever sobre coisas que vêem a mente, mas estas, como o título indica, acontecem quando Ela bate à porta. De todo modo, vou tentar fazer um esquema semanal, postar, digamos, todo meio de semana. 2) colocar os capítulos do livro, assim vocês podem ter oportunidade de ter uma leitura semanal breve e, um dia, a gente chega no fim do livro (hahahaha), são mais de trinta capítulos, prefiro mantê-los curtos. Quem quiser opinar, fique à vontade. Quero colocar algo que vocês se interessem em ler - e que gostem, naturalmente!


Obrigado, e nos vemos no próximo post.