terça-feira, 6 de novembro de 2012

[Yacamim Livro 1] Capítulos 14 e 15

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Olá pessoal! Mais dois capítulos do livro. Aqui, em uma grande reviravolta, o grupo de Yacamim sofre uma perda inestimável ao mesmo tempo em que ganha novos e incertos apoios... serão confiáveis??


CAPÍTULO 14

A chuva passava em uma cortina densa de água. Pela janela, Vic observava o movimento dos mo- radores, imaginando como seria ter uma vida normal novamente. Tinha certeza de ter assumido um caminho sem volta, e embora não se arrependesse disso, era estranho pensar nas responsabilida- des e esperanças que tantas pessoas que ele desconhecia até então depositavam nele há anos. Seu pai e seu melhor amigo faziam parte desse grupo, e Vic daria cada gota de sangue e suor que tivesse no corpo para fazer jus a todos eles.
O trio desceu do carro correndo da chuva, assim que ele parou nos arredores da Tijuca. Subiram até o oitavo andar de um edifício de aparência antiga e largada. O prédio ficava ligeiramente isolado dos demais daquela região, tendo apenas uma praça à frente, o que aumentava a impressão de abandono.
Bateram à porta do 801. Vic preferiu não fazer perguntas e deixar o inesperado fazer parte de sua rotina, como vinha acontecendo até então. Uma garota apareceu na entrada do apartamento. Era baixa nos seus quinze anos, de cabelos ruivos com mechas coloridas e óculos de aro arredondado. Tinha a pele bastante clara que denunciava meses ou até anos sem bronzeamento. Ligeiramente desajeitada mas com um ar esperto, parecia o tipo de mulher com quem Vic não se meteria. Dan, no entanto, abriu um sorriso ao vê-la, dando um abraço que foi retribuído sem o mesmo entusiasmo pela garota.
Olá, Clara. Desculpe-me por chegar assim, de repente, mas é um caso de vida ou morte. Pode- mos entrar?
Hm... claro.
Com um ar ligeiramente confuso, ela deu um passo para o lado e segurou a porta aberta para que os visitantes entrassem. O apartamento era minúsculo. Provavelmente havia sido um quarto e sala, mas a parede de divisão fora demolida, de modo que havia apenas uma mesa, uma pequena cozi- nha e uma cama em primeiro plano. Não havia luz natural ali, a única fonte de iluminação vinha de uma lâmpada no teto. No lado mais escuro do apartamento, ao lado de uma porta de acesso à va- randa fechada, havia um computador com nada menos do que três monitores acoplados, uma pol- trona de couro gasta, dezenas de cds e dvds espalhados na bancada, fios, ferros de solda, latas de Fanta Uva e restos de biscoitos e salgadinhos.
Desculpem pela bagunça, não costumo receber visitas...
Apesar do comentário, Clara não fez o menor gesto para limpar ou tentar esconder a confusão. Vic gostou disso, ao menos ela não tinha vergonha de mostrar o que era e agir naturalmente, o que era bom sinal. A transparência era uma qualidade que ele prezava bastante. A garota se acomodou em sua poltrona diante das telas, espanando migalhas do encosto de braço antes de levantar o olhar para eles.
Então, Dan, a que devo a visita?
O rapaz olhou para os amigos, pensando como começar.
Estes aqui são companheiros hélio-hidranos, Amanda e Vic. Estamos em uma missão crucial
para a HH, e possivelmente, para toda a América Latina.
A garota olhou impassível para eles. Victor percebeu com certo prazer que era a primeira vez que

alguém a quem era apresentado não corria para ele dando-lhe saudações, cumprimentos e votos de sucesso.
Oh, olá vocês ela acenou com a cabeça para os dois, como se tivesse acabado de perceber a presença deles. Ambos retribuíram o cumprimento Dan, confesso que não estou muito preocupa- da com o destino da América, contanto que eu tenha dinheiro para pagar as contas no fim do mês. Então, se você espera que eu ajude nessa sua causa santa, vai ter que me dizer o que quer e o quanto vou ganhar por isso.
Amanda e Vic não esperavam por essa, e se olharam com os olhos arregalados. Clara continuou calma, como se fizesse aquilo todos os dias. Dan também não se sobressaltou, mas percebeu o es- panto dos amigos e lhes falou em meio-tom, de modo reservado Ela já prestou alguns serviços para o Banco. É uma hacker incrível, capta qualquer transmissão e coloca até satélite em órbita, mas só trabalha com a grana no bolso e não é de meias palavras. Não se preocupem, eu cuido dis- so.
Ele tornou a olhar para a garota sentada ao computador.
O negócio é o seguinte: você deve se lembrar da Companhia. Nossos conflitos com eles estão mais graves do que nunca, e os caras não estão brincando. Atiraram contra o nosso carro e não es- tão medindo forças para nos liquidar. Precisamos saber o que estão tramando. Estive como refém deles e sei que usam essa frequência para se comunicar, provavelmente encriptada. Dan entre- gou a ela um pedaço de papel com alguns números escritos Basta que você acesse essa comuni- cação para que ouçamos a conversa. Vamos lhe pagar bem.
Ele esticou o braço, pegou a sacola no ombro de Amanda, abriu um dos compartimentos e o es- vaziou na mesa do computador de Clara, espalhando notas de cinquenta e cem reais sobre as pi- lhas de mídias usadas.
Dan! Era Amanda que chamava, em meio-tom, mas o rapaz a ignorou. Continuou fitando Clara com o mesmo olhar que a moça dirigiu a ele segundos antes. Pareciam jogadores de poker, olhando um para o outro espera do próximo movimento. Lentamente, a garota pegou o dinheiro, passou os dedos pelas notas e as guardou em um mochila marrom que estava no chão ao lado da poltrona. Fechado.
Ela logo começou a trabalhar. Estalou todos os dedos das mãos, o que arrepiou os pêlos dos bra- ços de Vic, pegou um velho rádio no armário, conectou em uma entrada modificada um cabo USB e plugou no computador. Abriu uma sequência de letras e números em uma língua que Vic desconhe- cia, digitou em velocidade assustadora códigos e termos, senhas e instruções, e ficou calada por alguns minutos.
E então? Dan ousou perguntar, finalmente.
Estou quase lá, relaxe respondeu ela, impaciente.
De fato, chiados vindos do rádio se fizeram ouvir pouco depois. Estações entravam e saiam de

sintonia rapidamente, produzindo uma melodia estranha. Vic temeu que fizessem contato com ali- éns, tamanha a aleatoriedade com que as músicas, notícias e vozes se misturavam e se separavam na velha caixa. Aos poucos, as mudanças foram diminuindo. Fez-se estática por alguns segundos, e então, pouco a pouco, uma comunicação ia entrando em sintonia.
"......fechando o cerco.....
.....tendido, prossiga.
................fechadas, dando a volta...... equipe de cobertura.....

....ok.....façam......cautela a invasão.
.......... senhor."
Todos no apartamento olhavam boquiabertos para o radinho, esperando ouvir mais, captar algo

mais além daquelas palavras. Mas não foi preciso esperar muito. Passos ecoaram por todos os la- dos no entorno da casa. Como uma bigorna congelante, um peso gigantesco caiu no estômago de Vic. Invasão. A Companhia os seguiu. Estavam perdidos.

CAPÍTULO 15

Clara meio gritava, meio balbuciava enquanto girava em círculos, o que fazia com que suas frases parecessem a transmissão que ouviram no rádio.
Os trouxe até aqui........ cilada....... na minha porta..... absurdo....
Dan passou a mão pelos cabelos, segurou a garota em desespero pelos ombros e olhou calma- mente para ela com seus olhos muito verdes.
Clara, preciso que vocês os tire daqui, tudo bem? Vic precisa ser protegido, ainda é cedo demais para um confronto. Vou ganhar tempo ficando aqui, mas vocês precisam ir agora mesmo.
Todos encararam o rapaz. Até Clara perdeu a fala, olhando séria para ele.
Dan, você não pode fazer isso! tentou Amanda, mal atraindo a atenção dele. Vic estava cons- ternado. Mais uma vez, a Companhia estava na cola deles quando julgavam impossível, depois de deixar até mesmo o carro para trás. Como eles estavam sempre tão próximos? Logo fechou os olhos e forçou-se a tirar estes pensamentos da cabeça, em pura concentração. Seu coração batia louca- mente no peito.
Não consigo acessar... nem uma palhinha... de Yacamim... Abriu os olhos e girou em torno de si mesmo, fitando as paredes agora silenciosas Não há nenhum elemento do tripé da Hélio-Hidra por perto!
Não se preocupe, Vic disse Dan em tom profético Quando você estiver pronto, isso não será preciso.
Clara já havia acordado do transe e aberto a porta para a varanda. Na realidade, ela se abria para uma escada de emergência que descia pelos fundos do prédio até o térreo. Mochila nas costas, ela passou pela abertura sem nem olhar para trás.
Dan... Vic olhou para o amigo, sem conseguir mexer as pernas.
Vá, Yacamim. Não tenho nada a temer, senão a sua segurança.
Amanda ergueu olhos lacrimejantes para Dan, se despediu com o olhar, e arrastou Vic pela aber-

tura. Os dois desceram aos trancos e barrancos pela escada de emergência, Clara já vários lances na frente deles.
Dan encarou sereno a porta sendo esmurrada. Logo seria posta ao chão. Fechou a passagem pela qual os amigos fugiram, contornou a mesinha e postou-se no centro do apartamento, de frente para a porta. Não usava armas como os atacantes, mas tampouco imploraria por misericórdia. Pe- gou uma lata ainda cheia de refrigerante na bancada e a arremessou sem cerimônia contra a lâm- pada no teto, que se espatifou e mergulhou o apartamento na escuridão. Que viesse a Companhia.
Nos fundos do prédio, os três corriam para longe dali. Correram por debaixo de árvores atravessa- ram a rua e estavam alcançando o quarteirão seguinte quando o chão tremeu. O apartamento de Clara explodiu em laranja e amarelo, chamas saindo pelas janelas fechadas. A garota lançou apenas um olhar para seu lar destruído, e continuou correndo, com Amanda e Vic em seu encalço.
Pararam cinco quarteirões depois, exaustos e pingando de suor. Amanda sentou, abriu a sacola e olhou dentro dela.
Não temos mais um centavo sequer. Dan usou todo o nosso dinheiro para pagar você, Clara.
A garota ruiva também se sentou. Apanhou na mochila cinco notas de cem e pôs na mão de Amanda Não se preocupe. Não tenho para onde ir agora, certo? Dan me envolveu nessa. Ele me pagou por um serviço e eu vou cumprir. Quando souberem o suficiente, tomo o meu caminho. Ela tornou a colocar a mochila marrom nos ombros Use esse dinheiro para comprar uma barraca para quatro ali ela apontou para loja de itens esportivos e comida naquele mercado ao lado.
Por que eu?
Bom, eu moro aqui, acho uma má idéia que os locais me vejam comprando itens para acampar após meu apartamento ser explodido. E, pelo que entendi, eles estão atrás dele, certo? Ela indi- cou Vic com a cabeça Logo, você é a única que pode ser vista sem grandes problemas.
Sem ter o que argumentar, Amanda correu para o outro lado da rua. Alguns minutos depois, vinha com a barraca compactada nos braços e a sacola nas costas estufada.
Comprei algumas roupas novas na loja de esportes, estamos precisando. Também comprei fru- tas e comidas facéis de fazer com pouco ou nenhum fogo, além de ovos, água e...
Tudo bem, Amanda, a gente agradece, mas você pode nos contar de sua bela lista de compras quando estivermos longe daqui? Clara jogou os cabelos para trás impaciente e voltou a andar em passos largos. Amanda abriu os braços em sinal de incompreensão para Vic, que deu de ombros e seguiu a estressada companheira de viagem.

***

Vic disse Clara, nitidamente aborrecida. O que diabos estamos fazendo em Copacabana?
O dia já ia pelo meio da tarde, e não havia mais sinal de chuva, embora ainda fosse um dia frio. Os três sabiam que a Companhia não estaria longe, mas Vic sentiu que precisava ir até ali, como se algo o convocasse. Ali se sentia mais próximo de seu objetivo, como se pudesse voar para atingi-lo. As meninas olhavam para ele e o acompanhavam sem entender. Estavam cansadas, carregando peso e andando atrás de um garoto indeciso, que parecia circular totalmente sem rumo por um bair- ro cheio de pessoas comuns nas calçadas, cada qual seguindo seu caminho cotidiano. Vic deve ter enlouquecido depois da explosão, depois de perder Dan, pensou Amanda, cheia de dor no coração.
Nas calçadas apinhadas de gente, a vida seguia seu fluxo cotidiano. Alguns homens entregavam panfletos. Crianças passavam correndo. Muitos velhos caminhavam a curtos passos. Um número incalculável de pessoas andavam agitadamente, como se estivessem sempre atrasadas para o que quer que fosse, não importando o horário do dia ou da noite. Na rua, veículos sem fim passavam, em especial táxis e ônibus. O barulho era ensurdecedor, ainda mais para um menino de interior. No entanto, Vic não parecia tomar consciência do mundo pulsante à sua volta. Caminhava obstinado,
como se seguisse uma bússola interna que estava descalibrada. Saiu da Avenida Nossa Senhora de Copacabana, desceu a Duvivier e entrou na Rua Barata Ribeiro. Caminhou um pouco mais. Clara fuzilou Amanda com os olhos, nitidamente implorando por uma intervenção. Ela ia abrir a boca quando Vic parou, tão subitamente que Clara quase se chocou com ele.
O que foi agora?! disse uma irritadíssima Clara, assustando os passantes mais próximos.
É aqui.
Amanda olhou em volta. Era um edifício simples, como qualquer outro no bairro. Uma placa na

fachada dizia: Edifício Tenente Érico. Vic, esse nome...
Sim, eu sei. Vamos entrar.
Vic parou diante da porta do prédio, com as duas logo atrás dele. O porteiro, ao olhar pessoas es- perando para entrar, prontamente apertou um botão na mesa, que fez com que a porta se abrisse. Vic deu boa tarde ao porteiro, que respondeu sem se importar com a entrada de um desconhecido com cara de índio, uma garota ansiosa e uma ruiva de ar nervoso.
Chegaram até o elevador, até que Vic percebeu que não tinha a menor ideia de que andar deveria ir. Ao perceber a indecisão de Vic, Clara bufou, impaciente.
Será que vocês poderiam me dizer o que estamos fazendo aqui, pelo menos?! Esperem aqui orientou Vic, sem responder.
Mas...
É só um momento, Clara.
Voltou até a entrada, se dirigindo ao porteiro.
Oi, me desculpe... eu vim visitar a minha avó, mas me esqueci do número do apartamento... Que cabeça a minha...― ele sorriu, tentando ganhar a simpatia do porteiro. O homem devolveu o olhar impassível. Vestia um uniforme bege do condomínio. Estava tentando sintonizar um canal em uma micro televisão que estava em cima da mesa.
Sei não sinhô... respondeu o porteiro.
É uma velhinha...
Sei não sinhô...
Droga, tem muitas velhinhas por aqui. Pense, Vic, pense...
Ela anda bem devagar, tem um cheiro de colônia e está sempre vestindo azul ou branco. Não sabia como sabia aquilo, mas sabia.
Ah, sei sim sinhô...
―...
―...
Você pode me dizer o número do apartamento? Sei não sinhô...
Você acabou de dizer que sabe!
Sô novo dotô, tô começando ainda. Já vi a senhora, mas não sei o apê não sinhô...
Arg. Teria que ser pelo instinto. Vic voltou até as duas. Amanda estava ansiosa, mas agora Clara

estava segurando o riso. Vic trocou de papel com ela, olhando-a irritado. Mas logo deixou isso de
lado e se concentrou. Chamou o elevador, entrou com as duas. Pôs as mãos sobre o painel dos an- dares, deixou que a energia fluísse... apertou um dos botões sem sequer olhar para ele. Chacoa- lhando, pararam no terceiro andar.
Saíram do elevador, Vic andando de olhos fechados, sentindo a energia... e a porta do 301 estava carregada dela. E lá estava o símbolo da Hélio-Hidra, a gota d’água e o sol entalhados discretamente na madeira. O garoto fez rapidamente o gesto da HH. O símbolo brilhou em amarelo e azul, e a porta simplesmente se abriu para recebê-los. De frente para a entrada, em uma pequena mesa circular, uma senhora estava sentada, folheando um livro e tomando chá. Nem levantou os olhos à chegada dos intrusos.
Bem-vindo, Yacamim. Meu marido me avisou que você viria. 

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