quinta-feira, 2 de agosto de 2012

[conto] O drama do Papai Noel

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Estamos em Dezembro de 2007, e a linha de produção do Papai Noel já deveria estar tão agitada quanto costuma ser nesta época do ano. Os duendes correndo de um lado para o outro supervisionando máquinas, verificando as linhas de produção, rejeitando qualquer presente que apresente um mínimo de falha - mesmo que seja uma volta errada no laço de fita, veja só você - e preparando o fabuloso trenó. As renas de folga por enquanto, pastando livremente no ambiente de dez hectares mantido especialmente para elas, com direito à lagoa com temperatura regulada e quitutes uma vez por semana - mais não, sabe como é, ô bicho fácil de engordar a rena.
Falando em engordar, o Papai Noel se preocupa com seu peso, sabe. Ele já tentou ser um velhinho em forma entregando presentes por aí. Mas acreditem, simplesmente foi tomado por um impostor. Chegou a ser expulso das casas em que entregava normalmente os presentes. Para prosseguir as entregas - já com o horário apertado -, precisou usar uma barriga falsa. Ele até pensou em adotar isto como solução definitiva, até que no ano seguinte, a barriga caiu quando ele descia por uma lareira, entrou em contato com o carvão ainda quente e CHUM! Adeus barriga falsa. Chamuscou inteirinha. A novela foi tremenda para improvisar outra, e o atraso mais uma vez foi considerável. Para evitar o drama no ano seguinte, Papai Noel aceitou seu fardo: precisava ser um velho gordinho. Decidiu portanto consultar sua nutricionista e manter uma dieta saudável mas com um nível mais elevado de carboidratos controlados, de modo a não ter problemas com artérias, vasos e afins já em idade tão avançada. É um incômodo, carregar essa barriga por aí, mas ele sabe que faz parte do trabalho, e não reclama. Papai Noel ama fazer a alegria da garotada entregando os presentes de Natal. E uma das partes que ele mais gosta desta rotina é quando abre as cartas das crianças.
É exatamente aqui que começa a nossa história. O bom velhinho chegava na sua prancha - o quê? Ele mora em pura neve! Achou que ele se locomovia por aí carregando as pobres renas o tempo todo? - para mais um dia de trabalho. O mais especial deles: o último malote com as cartas havia chegado na noite anterior, então era hora de afinal sentar e ler todas, desfrutando uma tarde com seus principais duendes registrando cada pedido. O prazer de abrir cada carta ao lado da lareira, uma caneca de chocolate quente de um lado e os biscoitos amanteigados preferidos do outro, pés com meias em cima da mesa de centro, a luz de leitura acesa equanto Mibo se encarrega de abrir e lhe entregar cada carta e Bomi de anotar os pedidos é incalculável. Depois vem a parte mais complicada, e que há muitos anos o Papai Noel deixou para os dois duendes: entrar em contato com os fornecedores para se assegurar de que teriam todo material necessário para começar a produção. Enfim, estou divagando. O bom velhinho entrou naquela manhã fria em seu chalé acoplado à linha de produção - com vidro reforçado para deixar o barulho do lado de fora - e encontrou Mibo e Bomi à sua espera, o que era incomum.

- Mibo? Bomi? O que aconteceu? Ih... não me digam que-
- É melhor o senhor vir conosco, Noel. - disse Mibo.
- Nunca vi nada parecido em toda a minha centenária vida... - suspirou Bomi.
- Muito bem... Levem-me até a encrenca, senhores.

O trio passou pela porta dupla até, percorreu rapidamente a linha de produção parada - os duendes estavam no exterior, verificando a confiabilidade dos novos fornecedores mais baratos e pechinchando com os já conhecidos; embora alguns eventualmente aproveitem a época mais folgada para fazer bicos nos parques da Disney, peças, musicais e afins - e foi até a área de descarga. Lá estavam estocadas todas as cartas para o Papai Noel, e acredite, eram muitas. Muitas mesmo. O suficiente para encher quinze caminhões grandes, lembrando que as cartas vêm em malotes apertadinhos de cem cada um. De todos esses malotes, alguns estavam abertos, com suas cartas espalhadas em uma cúpula roxa.

- Noel, fizemos a conferência padrão, cinco malotes aleatórios escolhidos, cinco cartas aleatórias de cada um deles, totalizando vinte e cinco cartas.
- Eu sei Mibo, fazemos isso há décadas. Prossiga, você está me deixando nervoso, sabe que quando isso acontece tenho azias terríveis.
- Bem, Noel... acho que é melhor ler do que explicar. Por favor, fique à vontade.
- Mas... ah, tudo bem. Bomi, meus óculos por favor.

O duende já previa a situação e já estava com os óculos à mão. Papai Noel se abaixou e pegou um punhado de cartas da cúpula. A primeira carta que leu era de Sam Norton, da Noruega.

Querido Papai Noel,
Eu já lhe pedi um Xbox, um Macbook, câmera fotográfica, iPod e um punhado de outras coisas legais. Mas esse ano nada disso está me ajudando. Por favor, Papai Noel, este ano eu preciso ficar magro! Eu quero ficar magro e quero que o bom velhinho me dê um presente para eu conseguir, tá? Por favor!
Beijos,
Sam.

Papai Noel,
Minha mãe não entende muito bem, mas eu sei que você vai entender. Ela queria me dar uma viagem de Natal, mas eu não quero. Meu pai queria me dar um tablet, mas eu também não quero. Eu quero ficar magra! Minha mãe diz que eu já sou, mas eu quero muito mais, todas as minhas amigas são magras e eu quero ser mais magra também. Obrigado, tô dizendo obrigado porque todos os anos você me dá o que eu quero e eu sempre me comporto porque sei que no ano depois você vai me dar também então já estou agradecendo porque eu sei que você vai me dar meu presente porque eu me comportei, né? Eu sei que sim, eu sei!
muitos beijos,
Daphne

Assim se seguiram muitas outras cartas. A cada uma que Papai Noel abria, mais seu queixo caía. Os duendes, conhecedores de longa data do homem, já esperavam por isso e estavam prontos para a reação. Quando o velhinho deu por si, estava lendo a última das vinte e cinco cartas - mais um pedido de magreza - sentado em seu confortável sofá, com a lareira acesa, os pés sobre a mesa de centro, um chocolate quente à sua espera do lado esquerdo e uma caixa novinha de biscoitos amanteigados à direita. Mibo olhou para ele assim que Noel fechou a carta, ou talvez já estivesse olhando há tempos.

- Bem... senhor...? O que faremos?
- Não nos resta outra opção, Mibo, precisamos ler o resto, como sempre fazemos. Você se lembra do ano das patinetes? Parecia que não leríamos outra coisa, mas logo ficou claro que era uma febre restrita à América do Sul, sinal de uma epidemia tardia que antes havia se espalhado ao longo dos anos no resto do mundo, mas que morreu tão rápido quanto veio. Nunca vi tanta criança brasileira querendo um daqueles...
- E no ano seguinte, quase nenhuma. Maldito brinquedo - reclamou Bomi.
- Não são piores que aqueles infelizes bate-bates... Dois duendes na linha de produção resolveram viciar naquele negócio quando estavámos produzindo e conseguiram deixar os dedões sangrando com o choque daquelas bolas de plástico. Um parece que até perdeu a unha...
- Mibo, Bomi, foco por favor. Precisamos de agilidade aqui. Vamos precisar de ajuda se a sina se confirmar para lermos tudo mais rapidamente...
- Já contávamos com isso, Noel.

Mibo estalou os dedos e rapidamente dois outros duendes entraram no aposento: Dino e Sauro, dois primos e costumeiros ajudantes em momentos difíceis.

- Minha dupla jurássica predileta, que bom que vieram, que bom. Por favor, sentem-se aqui ao lado e vamos começar.

A dupla já havia transportado os malotes até próximo do aposento, de modo que os quatro duendes em pouco tempo conseguiram alocar tudo em posição propícia. Logo Mibo, na sua surpreendente velocidade de sempre, abria os malotes e as cartas tão rápido que Dino, Sauro e Papai Noel tinham outras cartas à mão no instante em que terminavam as suas. Os minutos se sucederam aos segundos e as horas aos minutos... até que terminaram de ler as últimas cartas.

- Catástrofe... isso é uma pura e completa... catástrofe! - exclamou em desespero Papai Noel.
- Senhor... não queríamos aumentar seu sofrimento... mas não fazemos ideia de como atender a este pedido - disse Mibo.
- De fato. Temos apenas... 20% de outros tipos de pedido, e já montamos um estoque preliminar que cobre esta demanda. Os duendes poderão ter mais uma semana de férias porque não há pedidos suficientes para mantê-los na linha de produção mais do que quinze dias. Mas 80% dos pedidos são este... não só um número inédito, mais alto até do que o de PlayStations 2 no lançamento... com a diferença de que desta vez não temos um produto, só um pedido mágico - elocubrou Bomi.

Os duendes Dino e Sauro preferiram ficar em silêncio. Não eram bons de lógica e argumentação, apenas de trabalho pesado, e sabiam que nessas horas era melhor ficar calado. O Papai Noel estava vermelho de nervosismo, e os duendes já haviam cautelosamente recuado em direção à porta. No entanto, ele não parecia que ia ter um ataque daqueles de cinco anos antes, quando ficou tão nervoso por um defeito na linha de produção que levaria cinco horas inteiras na véspera do Natal para ser resolvido que atirou um duende pela janela. Claro que depois ele pediu muitas desculpas e promoveu este duende a seu assistente especial... Bomi. E ele era justamente o que estava mais próximo à porta, pronto para fugir no primeiro sinal de alteração.

- Mibo... desça a tela de projeção e carregue o vídeo promocional dos anunciantes vencedores do ano, sim? E deixe uma caixa extra de amanteigados e uma dose dupla de chocolate quente. Quem sabe não surge uma luz...

Aliviados, os duendes saíram do aposento, retornando com as canecas de chocolate, a lata de biscoitos e baixando a tela de projeção. Mibo carregou o vídeo, apagou as luzes principais, deixando apenas a de ambiente, e deixou o Papai Noel a sós.
Foi um duro momento, o do Papai Noel. Após tantos anos de bons serviços, surgia um problema deste porte. Gerações se sucediam levando alegria às crianças, mas nunca havia ouvido falar de uma situação parecida. Ser magro?? O papel da criança não era brincar, se sujar, correr, pular, rir...?
De todo modo, não cabia a ele questionar os pedidos, mas sim atendê-los. Pôs-se então a assistir os vídeos promocionais enquanto devorava os biscoitos e o chocolate, sem grandes esperanças de um milagre simplesmente cair no seu colo.

Mas caiu.
Quando o velhinho já estava quase adormecendo e só sobravam farelos de biscoito e espuma de chocolate nos recipientes sobre a mesa, algo chamou sua atenção. O anúncio lhe trazia a resposta como um soco na cara, mas um soco bom... um que acordou e deu energia para revidar e afastar de vez os problemas. Ele prontamente se pôs na linha de comunicação.

- Mibo? Mibo, meu amigo...! Achei a nossa solução! Sim, achei sim! Entre em contato imediatamente com Satoru Iwata. Sim, o presidente da Nintendo! Peça um número suficiente de Wiis, Wii Fits e uma tal de Wii Balance Board. É, Nintendo Wii e Wii Fit. Isso. Ele pode ser durão, mas exija desconto de atacado. Se ele não quiser ceder, diga a ele que com essas vendas ele vai ser facilmente citado em algum lugar como um dos CEOs mais influentes do planeta.

E foi mesmo. No fim das contas, Iwata aceitou e Papai Noel resolveu seus problemas. As crianças tiveram um Feliz Natal pulando e se exercitando com seus Wiis, Balance Boards e Wii Fits da vida. Um natal que elas nunca esquecerão. E a Nintendo também não.

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