segunda-feira, 11 de março de 2013

[conto] O Túnel

Gostou deste artigo? Então clique no botão ao lado para curti-lo e Twitta-lo!!

Eram 11 horas e Estevan estava diante daquele túnel misterioso. Sabia que não tinha outra escolha a não ser atravessá-lo, mas isto não tornava a tarefa mais fácil ou desejável. Respirou fundo, bebeu o último gole da garrafa e a jogou na lixeira de cor berrante.
- Bom... já que não tem jeito... Lá vou eu. Ele tem planos para mim.
Pé ante pé Estevan foi, sentindo o chão grudendo se apegando nas solas de seu all star como uma amante exigindo carinho e atenção, CHAK CHAK, CHAK CHAK. Andou muito pouco dentro do túnel até a luz cair pela metade, e passar a depender quase que inteiramente de faróis que passavam velozes em intervalos irregulares.
Tão longo a lenta mas constante curva do túnel avançou e a boca pela qual entrou ficou para trás, Estevan se viu sozinho, esperando encontrar qualquer coisa naquela estreita passarela, como alguém que entra num filme de suspense. A cada poucos metros, portinholas nas paredes estavam sempre abertas, deixando à mostra interruptores e fracas luzes vermelhas. Elas pareciam dizer "sim, você não está sozinho, eles estão sempre aqui, espreitam com olhos rubros enquanto você caminha indefeso no território deles e esperam apenas uma mínima brecha para te fazer uma indesejável companhia". O homem por baixo da blusa pólo azul e branca estava suando e isto nada tinha a ver com a temperatura local. Estevan confiava, mas mesmo assim tinha medo.
O túnel parecia brincar, apresentando novos detalhes incômodos aos poucos. Primeiro a luz tênue, quase cegando mas deixando o suficiente para que as inquietantes novidades do caminho ficassem visíveis. Depois as portinholas. E agora iam aparecendo, um aqui, outro ali, pequenos objetos no chão. Uma colher partida ao meio. Um copo com um líquido pastoso emborcado no chão. Escritos ininteligíveis na parede. Um tecido escuro enrrugado... não, isto não é um tecido, percebeu Estevan com repulsa. E o excedente da produção natural humana, aparecendo lentamente em todos os pontos do pavimento fez apenas Estevan ter a certeza de que precisava apertar o passo.
De repente veio um sujeito no caminho oposto... civilização, ele pensou, estou chegando a algum lugar. Mas o sujeito tinha aparência estranha e ele lutou mentalmente entre se espremer na não confiável barra que o separava da rua de alta velocidade ou na parece certamente atingida diariamente e longamente pelos mais variados dejetos, orgânicos ou inorgânicos. Acabou não tendo opção, pois o outro optou pela barra e restou à Estevan fechar os olhos enquanto se espremia para a passagem do homem, mantinha o passo firme pois sentia que não podia parar um segundo sequer ali e o cuidado extremo em não encostar nas paredes. Esqueceu de considerar um último fator, no entanto, e um sonoro PLUUUUUUSHHHH soou pelo túnel quando seu allstar preto e branco fez potente contato com uma pilha particularmente repugnante de material humano. Perdeu apenas um segundo estremecendo e voltou a caminhar, tentando em vão não arrastar o pé seguidas vezes no pavimento. O movimento não o ajudou muito, pois o chão, desejoso por carinho, apenas fez com que ele ficasse grudado por um momento.
"Esteeeevan...", o homem podia jurar ouvir naqueles momentos de pavor em que percebeu que tentava avançar sem nenhum sucesso. Não havia qualquer sinal da luz no fim do túnel. Em seguida, soavam retinires de metal, gargalhadas e vozes agonizantes. Ele logo percebeu que o segredo não era fazer força... porque a força para aquela tarefa não vinha dele, afinal, não fora ele quem escolhera passar por aquele lugar. Tão logo se deu conta disso, bastou piscar e estava indo adiante, percorrendo o túnel com uma velocidade maior do que antes de se ver preso.
Mais um sujeito carregando uma caixa passou, e desta vez Estevan escolheu o lado da barra, e passou com mais confiança, pois começou a ver o primeiro sinal da luz... noturna. Tinham parecido minutos ou horas de dor, não sabia, mas o fato é que um bom tempo se passara desde que entrara ali. Já estava quase na saída, então diminuiu o passo, se sentindo confiante. Um erro. Um sujeito com uma enorme sacola preta entrou pelo túnel instantes depois. Cambaleante, claramente alterado e nada convidativo. Desta vez Estevan praticamente correu.... e tão logo estava uma vez mais respirando o ar do exterior.
Sentiu alívio e satisfação ao mesmo tempo, tinha cumprido o que prometera, não tinha se esquivado da tarefa. Virou o pulso para olhar a hora em seu relógio... e percebeu que não estava de relógio. Tentou alcançar o bolso para ver então o celular, mas também não estava com ele. Na realidade não havia bolso, nem calça, nem tampouco pele. Só havia o vazio.

Ele acordou consternado, e só sossegou quando percebeu que estava entre seus lençóis. Um sonho. Levantou a mão para pegar o relógio de pulso que deixava ali todas as noites antes de dormir... e só encontrou no lugar uma colher quebrada ao meio. Ele congelou.

Um comentário:

  1. "Estevan se viu sozinho, esperando encontrar qualquer coisa naquela estreita passarela, como alguém que entra num filme de suspense."
    Muito boa a frase.

    A construção do clichê - final 'era só um sonho' - e a destruição dele na mesma linha foi muito boa também.

    E mais interessante ainda a escolha do objeto, porque foi o que mais me marcou.

    ResponderExcluir